segunda-feira, dezembro 03, 2007

Onde está o Geninho?

Não é daltonismo, é o outono mesmo: época de folhas verdes, amarelas e vermelhas. Japonês tem até uma expressão para o estado das folhas nessa época: koyo (紅葉). E essa árvore vermelha, curiosamente, chama-se momiji, cujo ideograma é “紅葉”.

Notaram alguma semelhança? Sim, uma mesma palavra escrita em kanjis (漢字) pode ter mais de uma leitura. As duas são formadas pelos mesmos caracteres de “vermelho escuro” e “folha”. E como se sabe a pronúncia certa? Pelo contexto. Eta linguazinha complicada.

O desafio de hoje é encontrar o Geninho na foto aí em cima.

terça-feira, novembro 27, 2007

Mais lento que uma bala, mas mais forte que uma locomotiva

Lembro da primeira vez que andei de avião. Achei tudo o máximo: aquela máquina enorme que, em um movimento suave, nos levava rapidamente a lugares que normalemente levaríamos dias pra chegar; a vista “quase infinita” pela janela; o serviço de bordo; o design interno da cabine - queria ter uma casa como o interior de um avião! -, pareciam a perfeição: era a forma ideal de viajar.

Recentemente tive a oportunidade de andar pela primeira vez de “trem-bala” japonês. Por mais que hoje tenha muito mais idade que na época da primeira viagem de avião, o encanto foi praticamente o mesmo, coisa que só a tecnologia aplicada é capaz de proporcionar.

Andar de trem já é legal. O movimento é suave, o espaço interno é mais amplo, a janela mostra a paisagem como um “quadro dinâmico”. Mas o trem comum ainda tem alguns incômodos: “Ah, bem que a gente podia parar em menos estações!” ou “Não dava pra fazer essa coisa andar mais rápido?” são dois sentimentos freqüentes quando a gente já está ansioso para chegar. E é essa a maior graça do trem-bala: ele anda rápido e praticamente não para.

O trem-bala é mais um símbolo do Japão. Só que aqui ninguém conhece ele por esse nome internacional. No Japão ele é o shinkansen (新幹線). Literalmente, quer dizer “linha do novo trilho” e o nome foi dado na época da inauguração para diferenciá-lo dos trens comuns, que usavam as linhas (e trilhos) já existentes. Isso foi em 1964, ano das Olimpíadas de Tokyo, que além do shinkansen trouxe outras novidades como o Aeroporto de Haneda, o Tokyo Monorail e o Ginásio de Yoyogi. Mesmo ano em que, do outro lado do mundo, o Brasil tinha que engolir o golpe militar.

Hoje é possível viajar de shinkansen por duas das quatro principais ilhas do Japão, Honshu (本州) e Kyushu (九州) e uma linha ligando a ilha de Hokkaido (北海道) está em construção. A principal linha é também a original, que liga as duas maiores cidades, Tokyo (東京) e Osaka (大阪), passando por outros centros importantes como Nagoya (名古屋) e Kyoto (京都) no caminho. A viagem original desse trajeto tomava 4 horas em 1964, com os trens andando a 210 km/h, e hoje é feita em apenas 2 horas e 25 minutos, em velocidades de 270 a 300 km/h.

Os shinkansens não são os trens mais rápidos do mundo em operação já há alguns anos, e dificilmente voltarão a ser. O problema não é simplesmente técnico, mas sim do terreno montanhoso do Japão, que impede a construção de linhas com poucas curvas. A geração mais recente dos trens tem a mesma velocidade máxima da geração anterior, e o melhoramento técnico está na forma em que os trens se inclinam para percorrer curvas em maior velocidade. A tecnologia é toda japonesa, desenvolvida pelo centro de pesquisas da empresa JR (Japan Railways), mesmo centro que detém o recorde de velocidade de trens de 581 km/h alcançado na linha protótipo de trem maglev, perto do Monte Fuji. E tecnologia boa a gente (ou pelo menos, os japoneses) exporta(m): trens baseados no shinkansen também são usados em Taiwan, na China e na Inglaterra.

Prum país do tamanho do Japão, essas linhas de trem de alta velocidade fazem todo sentido. O custo da passagem não é dos mais baratos, uma passagem de Tokyo a Osaka custa cerca de 130 dólares, enquanto de avião custa cerca de 200, e de ônibus (que leva a noite inteira) 60, mas as vantagens são muitas. As estações de shinkansen ficam sempre dentro da área urbana, enquanto aeroportos ficam sempre mais afastados. Além disso, a viagem de trem não implica em toda paranóia de segurança. Não há toda a verificação de bagagem, e é possível chegar na estação e entrar no trem em menos de 5 minutos. Claro, não há serviço de bagagens, e estas são levadas dentro dos vagões, mas há espaço apropriado para malas (de tamanho médio) e conseqüentemente não é necessário esperar que elas sejam descarregadas como no caso do avião. Diferentemente do avião, também, não é necessário esperar todo o taxiamento pelo aeroporto após o pouso, nem a autorização de decolagem: o trem parte e chega exatamente no horário definido. De fato, são os trens mais confiáveis do mundo: Em 2003, a JR anunciou que o atraso/adiantamento médio de chegada dos shinkansen foi de 6 segundos em relação ao horário esperado, isso calculado sobre 160 mil viagens de shinkansen feitas e incluindo todos erros e acidentes naturais e humanos!

Mas chega de papo técnico. Como é andar de shinkansen? O sentimento é ótimo. Há espaço para as pernas, é possível ver de cenários urbanos a plantações de arroz e chá pela janela, que passam a uma velocidade impressionante. Isso, tudo, cercado pelos passageiros típicos do shinkansen, os salarymen.

Nos dois trens que peguei, acho que mais de 90% dos passageiros eram salarymen em viagens de negócio de mesmo dia. E como tudo no Japão, parecem seguir um ritual. Eles chegam com suas pastas, as acomodandam no compartimento sobre a poltrona, tiram os casacos de seus ternos, os penduram no gancho retrátil ao lado das janelas, sentam-se, abrem as mesinhas retráteis e começam a apreciar seus bentos (弁当), tradicionais “marmitas” japonesas. Alguns abrem seus notebooks, outros lêem jornais, mas praticamente nenhum se dá ao trabalho de fazer aquilo que, pra mim, é o mais agradável: apreciar a vista, pelas grandes janelas. Já devem estar cansados, claro, daquela vista constante em todas suas viagens.

Mas para mim tudo é novo, uma diversão. Espero poder fazer mais muitas dessas viagens, mas nunca tantas que, para mim também, elas se tornem entediantes.

domingo, novembro 04, 2007

Fim de mais um dia no metrô de Tokyo

Nada de especial, só uma cena típica dos trens no Japão.

Detalhe para, entre os pés dele, o livro que estava lendo. Quando chegamos no fim da linha, onde trocamos de trem, o funcionário do metrô o acordou e ele saiu caminhando normalmente. Vida dura, essa de Salaryman (サラリーマン). Otsukaresama desu (お疲れ様です)...

domingo, setembro 09, 2007

No topo do Japão

Uma atividade bastante comum no verão do Japão é escalar o monte Fuji (富士山). Aos 3776 metros, o vulcão extinto é o ponto mais alto do país e um símbolo nacional, pela estética do seu cone praticamente simétrico.

Existe uma temporada oficial de escalada ao monte Fuji, que vai do início de Julho a 27 de Agosto. Nessa época, a temperatura no topo é mais amena, a neve derrete e diversas cabanas estão abertas nas trilhas de subida provendo serviços para os andarilhos, que vão desde hospedagem para descanso até refeições e bebidas quentes. Estas trilhas existem em todos os lados da montanha e variam em termos de inclinação, do terreno - o que determina a dificuldade de subida - e das cabanas de suporte. Em todas as trilhas, as cabanas são distribuídas em estações numeradas, e geralmente qualquer escalada ao monte Fuji parte da 5ª estação, até onde existem estradas e alcançam os ônibus.

E foi da 5ª estação que partimos. Ano passado muitos dos meus amigos escalaram o Fuji, mas como ainda estava preocupado com a admissão do doutorado e não me sentia 100% preparado, resolvi adiar a “aventura”. Esse ano, sim, já mais apto, encarei a subida com meus amigos Mário (campeão do mundo) e Eunice. Pegamos o ônibus em Shinjuku (新宿) e cerca de duas horas depois chegamos na 5ª estação de Kawaguchiko (河口湖五合目) a 2305 metros de altitude. Descemos do ônibus, visitamos algumas das lojinhas turísticas, e nos preparamos para começar a subida: nos vestimos apropriadamente, comemos uns sanduíches e frutas, fomos no banheiro, preparação completa.

O Sol também é um símbolo para o Japão, tão ou mais importante que o monte Fuji. Ele é representado pelo círculo redondo na bandeira japonesa, e o próprio nome do país, 日本 (nihon ou nippon) identifica essa relação, significando a origem (本) do Sol (日). É daí que vem a expressão “país do sol nascente”. Dá pra imaginar, então, o que representa pro japonês o ritual de assistir o nascer do Sol sob o topo do monte Fuji. Esse é um dos planos mais comuns de subida ao monte Fuji: escalar durante a noite para alcançar o topo nas primeiras horas da manhã e descansar sentado sobre as pedras vendo o amanhecer. Nosso plano também era esse.

Às 8 horas da noite começamos a nossa “subida”. Digo “subida” porque ao iniciarmos a trilha reparamos que estávamos na verdade descendo. Achamos estranho, ninguém havia comentado conosco sobre isso, e pensamos estar no caminho errado, indo na verdade para o lado contrário. Mas não. Logo encontramos uma placa indicando o início da trilha e a partir daí começamos a subir.

“Escalada” faz pensar em equipamentos de alpinismo, cordas, pessoas penduradas. Mas a subida do Fuji não é assim. É apenas uma longa caminhada de algumas horas montanhas acima. É cansativo, mas não difícil. Talvez a maior dificuldade seja lidar com a multidão de pessoas que resolve subir junta todo ano. Cerca de 200 a 300 mil pessoas sobem o Fuji anualmente, o que dá uma média de aproximadamente 3 mil pessoas por dia da temporada. Suponho que a grande maioria faça a subida durante a noite. Em alguns momentos, realmente a rota parava, devido às excursões subindo lentamente pelo caminho. Eu, Mário e Eunice íamos passando esse povo, pelas laterais da trilha. Parávamos em algumas das estações, mas começávamos a ficar ansiosos quando todo o povo que havíamos passado começava a nos passar novamente, e continuávamos nossa subida. Apesar de termos ouvido que um dos maiores problemas que podem ocorrer na subída é acelerar demais e acabar passando mal, nosso grupo era de gente bem preparada que anda rápido. :) Fazíamos pausas para não forçar demais, mas quando era para andar, andávamos pra valer.

Muitas das pessoas que sobem o Fuji compram bastões de madeira para ir se apoiando durante a subida. Eles não são caros, custam cerca de 1000 ienes (~20 reais), mas em cada estação de subida é possível pagar para ter um carimbo estampado com ferro quente no bastão, mostrando o progresso e a realização do objetivo. Acredito que o bastão faz um souvenir legal com os carimbos, mas pensamos que seria apenas mais um peso morto para levar montanha acima, então decidimos não comprá-los, e posso dizer que pelo menos no meu caso não fez falta alguma. Foi bom ter as mãos livres chegando ao fim da subida, onde a trilha era mais íngrime e usar as mãos ajudava a subir - ou pelo menos manter o equilíbrio - sobre as pedras, o que nos ajudou a passar muita gente. A partir da 8ª estação (cerca de 3400 metros) já havíamos passado a maioria das pessoas e a trilha estava bastante vazia. Quando parávamos para recuperar o fôlego (e vai ficando mais difícil mantê-lo a medida que a altitude aumenta) podíamos ouvir um silêncio absoluto e aproveitar o visual da montanha iluminado sobre a lua cheia, o que dava um sentimento de paz e uma motivação a mais para alcançar o topo.

Durante a subida passamos por alguns toriis (鳥居), aqueles pórticos orientais que indicam o caminho para santuários xintoístas, já que no topo do Fuji também existe um pequeno santuário. À uma da manhã alcançamos um desses toriis, e passando por ele chegamos a mais uma cabana, mas essa estava fechada, sem iluminação. Passamos por ela e vimos que a trilha não continuava. Havíamos chegado ao topo, após cerca de 5 horas! Encontramos poucas pessoas que se preparavam com sacos de dormir e cobertas para algumas horas de descanso até que o sol nascesse. Nós também teríamos algumas horas de espera, então resolvi tirar mais alguns agasalhos da mochila e vestí-los - apesar de não estar sentindo frio no momento, por estar com o corpo ainda quente. Tirei meu casaco e fiquei alguns segundos apenas de camiseta no topo do Fuji, o que depois me fez sentir a musculatura contraída. Mas não tive problemas maiores. Escrevi alguns postais - existe uma agência do correio que fica aberta durante o verão no topo do Fuji! - e começamos a procurar um lugar para esperar a noite passar.

Lugar não faltava, apesar de muita gente começando a chegar e se instalar sobre uns estrados de madeira localizados estrategicamente onde o sol viria a nascer horas mais tarde. Mas preferimos ficar sentados na entrada da cabana que havíamos passado e estava fechada, pois era um lugar mais protegido do vento. O chão era de pedra e nada confortável, então tentamos usar nossas mochilas como encosto e proteção. Passada a excitação de termos chegado ao topo, o sono começava a bater, e cochilamos um pouco. Nessa hora o frio apareceu. A temperatura era de 7 graus, plenamente suportável para qualquer gaúcho que se preze ;), mas dormindo o corpo perde mais calor e a coisa complica. Senti bastante frio, e então resolvi me levantar e dar uma caminhada, o que remediou o problema. Mais pessoas foram chegando, o local foi ficando cada vez mais lotado, e pelas 2:30 da manhã uma das cabanas do topo abriu - felizmente não a nossa, pois pudemos continuar onde estávamos - e acabei comprando um café quente. Achei o preço justo: 400 ienes (~8 reais) por uma lata de café, mas no topo do monte Fuji e durante a madrugada! O café me deu energia, o frio passou e, talvez pela cafeína, o sono também. Fiquei atento e empolgado com o crepúsculo que, pelas 4 horas, começava a aparecer. Tiramos algumas fotos, e vimos que o povo todo que havia chegado depois da gente tinha tomado o lugar na nossa frente, então fomos procurar um outro lugar para esperar o exato instante em que o sol aparecesse.

Não foi difícil. Havia uma multidão, mas o topo do Fuji é amplo. Achamos uma região mais alta onde víamos muito bem o horizonte e as pessoas assistindo a nossa frente, mais abaixo. Ao nascer o Sol, pelas cinco da manhã, um Sr. japonês fez um breve discurso, e pedio para que todos gritassem banzai (万歳), grito de celebração japonesa, como o nosso “viva”. Foi então uma seqüência de banzais enquanto as pessoas levantávam os braços. Uma experiência única e emocionante que nunca vou esquecer.

Com o nascer do sol, a temperatura subiu e o dia estava bonito. O Mário estava um pouco tonto, talvez pela altitude, e preferiu voltar para a base. Apesar de estarmos em grupo, comentei com ele e a Eunice que eu me sentia muito bem e que provavelmente não voltaria a subir o Fuji, então pedi a compreensão deles de que gostaria de ficar mais um pouco, dar a volta na caldeira, ir ao correio e ao ponto mais alto do Fuji. Nos despedimos e comecei o passeio.

Voltei a uma das cabanas onde, mais cedo, havia visto um mapa do entorno da caldeira. O mapa estava todo em japonês mas consegui identificar onde estávam as principais “atrações” mas não identificava muito bem como contornar a caldeira. Segui por um caminho mas logo me dei conta de que aquela parecia a trilha de descida. Voltei, tentei pelo outro lado e, aí sim, encontrei o caminho. Ao chegar ao lado oposto de onde havíamos visto o nascer do sol vi, sob a montanha, a sombra perfeita do Fuji sob o vale. Momento de foto, claro. Segui em direção à estação meteorológica1 do Fuji onde sabia ser o ponto mais alto do Japão. Uma fila se espremia na pequena escada que dava acesso a estação e ao marco, e nela fiquei por uns 20 minutos. Felizmente já estava meio que institucionalizado que sempre a pessoa de traz na fila tirava a foto da pessoa da frente junto ao marco. Tirei minha foto, e continuei ao redor da caldeira para visitar o templo e o correio.

O templo estava bastante cheio, mas não conseguia encontrar o correio. Perguntei para um rapaz que parecia trabalhar lá em cima (ele havia recém solicitado a algumas pessoas que saíssem de uma área “off-limits”) e ele me informou que o correio estava fechado! Ficava aberto todo ano somente até o dia 20 de Agosto, semana anterior.

Paciência. Era então hora de descer. Encontrei a trilha de descida, e seu longo zique-zague em direção a 5ª estação. Na trilha paralela de subida dava pra ver muitos retardatários chegando ao cume. A descida é mais rápida, mas tão cansativa quanto a subida pelo impacto, escorregões no chão arenoso e falta de cabanas de serviço. Descia fazendo ainda um segundo zigue-zague dentro do zigue-zague original, descia em alguns momentos de lado e até de costas, para não cansar tanto os mesmos músculos da perna. Fazia paradas para tirar as pedras do sapato, para tomar água. A música nos fones de ouvido ajudava o tempo a passar, assim como tinha feito horas antes durante a subida quando me distanciava um pouco do Mário e Eunice. Até que enfim, com os pés ardendo, cheguei de volta ao ponto de partida.

Precisava então encontrar uma forma de voltar para Tokyo. Havíamos comprado apenas a passagem de ida - já que os ônibus diretos de volta estavam cheios - o que no fim foi bom pois não tive pressa para pegar o ônibus em um horário marcado. Mas isso implicava que deveria então ir até uma estação de trem e fazer ainda algumas baldeações até chegar em casa. Enquanto esperava na fila para comprar a passagem, o Mário e a Eunice me reencontraram. Eles haviam almoçado e ele já estava 100% recuperado. E lá viemos nós, juntos outra vez, de volta pra casa.

A experiência foi muito interessante e válida. Em qualquer conversa sobre escaladas do monte Fuji, sempre alguém comenta uma frase famosa que diz “É um sábio aquele que escala o Fuji uma vez, e um idiota aquele que o faz duas vezes”. Se sou um “sábio” hoje, ainda não descarto a possibilidade de um dia virar um “idiota”: posso um dia vir a subir por outra rota, com outra vista, outra experiência. Mas deixo aqui três dicas muito importantes para qualquer um pensando em subir, independente de rota:

  1. Como o desafio é tanto psicológico quanto físico, somente suba se sentir-se preparado.
  2. Saiba exatamente o que levar, e o que não levar; e
  3. Consulte a previsão do tempo e certifique-se de subir em um dia onde não seja esperada chuva (como fizemos).

O resto é secundário. :)

1 A estação do Fuji é uma estação meteorológica instalada no topo da montanha em 1964. A posição privilegiada permitia que o seu radar tivesse um alcance de 800 km, o que foi essencial na previsão e acompanhamento de tufões no Pacífico desde então. Com a introdução dos satélites meteorológicos, a sua importância foi diminuida e a estação foi desativada em 1994. Mesmo assim, pela sua importância o radar do Fuji é considerado um dos grandes marcos históricos da engenharia elétrica pelo IEEE.

quinta-feira, julho 19, 2007

Mariana

Em 2003, na minha primeira visita ao Japão, participei de um festival de estudantes montando um estande de venda de pastéis, representando o Brasil. O estande teve relativo sucesso e, no ano seguinte, meus amigos japoneses resolveram repetir a dose, montando mais uma vez o estande. O regulamento do festival, entretanto, exigia que cada grupo representando um país contasse com pelo menos um participante nativo, e eu já estava de volta ao Brasil.

Pelo orkut, novidade na época, encontrei duas brasileiras que estavam estudando na região de Kyoto. Uma delas morava em Osaka e a outra em Kyoto. Coloquei as duas em contato com a Mayuko, minha amiga japonesa que havia me convencido a participar do festival no ano anterior, e logo elas se acertaram: haveria mais uma vez pastéis no festival de estudantes.

A Mariana, que estudava em Kyoto, encontrou a Mayuko e o resto do pessoal e juntos fizeram experiências de pastéis, e os demais preparativos para o dia do festival. Infelizmente, no dia houve ameaça de tufão, e o evento foi cancelado. Por outro lado a participação no festival incluia um seguro, e eles foram resarcidos com o que investiram para a compra de ingredientes. Mais que isso, como os ingredientes já tinham sido comprados, fizeram uma “sessão pastelada” pois jogar tudo aquilo fora seria um disperdício. Mottainai (もったいない), como se diz por aqui.

Ela continuou seus estudos em Kyoto, mantivemos contato por email. Terremotos e tufões também circulavam pelo Japão naquele ano, mas a Mariana não desanimava.

From: "Mariana"
To: "Drebes"
Subject: Re: Tufões, etc
Date: Mon, 25 Oct 2004 06:18:52 -0200

Eh Roberto, tufao, terremoto, essa terra anda sofrendo tragedia atras de 
tragedia... mas a gente vai sobrevivendo.

Pois afinal, ela sabia que o estresse era temporário, seu lugar era no Brasil.

From: "Mariana"
To: "Drebes"
Subject: Re: Tufões, etc
Date: Wed, 27 Oct 2004 00:54:16 -0200

Arigatou!Temos que reconhecer que o Brasil eh uma terra abencoada, nao eh?
Bjs,
M.

Ao voltar pro Brasil, ela me contou como estava feliz. Contei para ela que faria a seleção da bolsa para Doutorado no Japão, e trocamos nosso último email quando saiu o resultado, quando soube que estava voltando pra cá. Depois infelizmente perdemos o contato.

Ela era uma guria legal. Não pude considerá-la minha amiga, pois nunca nos encontramos pessoalmente, mas tenho certeza de que nos daríamos muito bem.

Mas não vamos nos encontrar. A Mariana Sell estava no vôo 3054 da TAM. Que sua família e amigos tenham conforto. Que a justiça seja feita e outras pessoas legais como a Mariana não tenham que nos deixar tão novas, sem que eu tenha a chance de conhecê-las. Que não sejam vítimas de outras irresponsabilidades absurdas como essa.

quarta-feira, julho 18, 2007

O que é mais perigoso?

Morar em um país sempre castigado por terrmotos, vulcões e tufões, ou em um país onde tudo relacionado à infraestrutura é feito “nas coxas”?

terça-feira, julho 17, 2007

Um dia é de tufão, o outro de terremoto...

Em primeiro lugar, tá tudo bem aqui. Sobrevivi ao fim de semana ileso. :)

Estava escrevendo um post sobre o tufão que era esperado em Tokyo (e não veio) e sobre os terremotos que não eram esperados mas insistiram em vir mesmo assim. Esqueci de salvar, acabou a bateria, e perdi tudo. :( Vai então só essa versão resumida...

O tufão passou pelas ilhas do sul do Japão e vinha para Tokyo, chegaria no domingo. Tufão é a mesma coisa que furacão, apenas o nome usado na Ásia. Em inglês é typhoon, o que suponho que venha do japonês taifū (台風). O primeiro ideograma é de “pedestal” e o segundo de “vento”. Mas quem imagina um “vento alto” como num tornado, tipo aquele do filme Twister ou do Mágico de Oz, não tem idéia de como ele realmente é. Um tufão é bem maior que um tornado: pode ser visto pelas fotos de satélite e seu “olho” pode chegar a 60km. Na terra a única coisa que se sente são chuvas e ventanias muito fortes (de mais de 200km/h). É como aquele furacão que alcançou o litoral norte do RS em 2004, destruindo casas e deixando cidades em estado de emergência. Um tornado é muito menor, mas deixa um rastro de destruição mais intenso pelo caminho (estreito) por onde passa.

Mas enfim, o tufão era esperado em Tokyo, mudou de direção e foi para o mar. Em Tokyo só teve uma chuva forte de sábado pra domingo. Segunda-feira, o dia amanheceu ensolarado, parecia a calmaria após a tempestade. Até que tudo começou a tremer.

escrevi uma vez sobre como é um terremoto: sobre como geralmente não se vêem coisas caindo e quebrando como aparecem na TV, mas sim como parece que o prédio inteiro está dentro de um avião em turbulência. A diferença do terremoto de hoje é que ele foi longo. A maior tensão durante o terremoto é saber como as coisas vão se desenrolar: se vai tudo terminar logo ou ficar cada vez pior. Quanto antes ele termina, claro, melhor.

E hoje, num feriado ensolarado após um fim de semana chuvoso, às 10:13, as coisas começaram como em qualquer outro terremoto, mas continuaram, continuaram. Estávamos no 4º andar, de um prédio pequeno mas recente - e portanto preparado para terremotos. O prédio dançava como se fosse feito de borracha. No parque em frente, os gritos das crianças que desde cedo jogavam beisebol desapareceram, só se ouviam os corvos. Depois de uns 30, 40 segundos, tudo parou. Ficamos ainda mais alguns segundos vendo se as coisas tinham sossegado mesmo. Abrimos a janela e vimos as pessoas no parque olhando para os postes de iluminação do campo de beisebol. Esperamos mais alguns minutos para que o site de informações do tempo, tufões e terremotos fosse atualizado e vimos que tinha sido grande, na prefeitura de Nigata (新潟), ao noroeste de Tokyo. Fomos aproveitar o dia, o terremoto sendo apenas mais um dos motivos de conversa, e só à noite, na TV, vimos os estragos reais causados por ele.

Antes de dormir, mais uma vez, outro terremoto. Agora não em Nigata mas do outro lado da ilha de Honshu, a principal do Japão. Estava no primeiro andar e não senti ser tão forte nem tão longo. Eram apenas as placas se acertando, tudo indo pro seu devido lugar. Posso agora dormir em “paz”, já que os ovos do Godzilla ainda levarão uns meses para se desenvolver. :)

terça-feira, maio 22, 2007

Negócio da China

A semana da virada de abril para maio é a principal época de feriados do Japão. São originalmente 5 dias de feriado, que, emendando com mais dois dias do meio da semana, tornam-se uma semana inteira que os japoneses aproveitam para descansar. Essa semana é chamada de golden week pois é a oportunidade de ouro para aproveitar.

Como temos nossas responsabilidades por aqui, da mesma forma que os japoneses, não podemos simplesmente sair por uma semana a qualquer momento, e resolvemos aproveitar também a golden week para fazer uma viagem um pouco mais longa que a da Coréia. Escolhemos a China, por ser um país grande com atrações que nos tomariam mais tempo para conhecer.

O ruim de se viajar na golden week é que as passagens são mais caras, e as atrações turísticas no Japão estão todas lotadas. A passagem foi até acessível por comprarmos com certa antecedência. E indo para a China, pensamos, estaríamos fugindo da multidão. Mas nossa desinformação nos traiu: na China a semana do dia do trabalho também acumula feriados, e os chineses, também, aproveitam a época para fazer turismo.

Muito se ouve da China: país do futuro, desenvolvimento desenfreado, mão-de-obra barata, mudanças estruturais, sede das olimpíadas de 2008. Fui para a China para levantar minhas próprias opiniões sobre o país e o povo. E vi muita coisa por lá...

Resumimos nossa visita às duas maiores cidades: Shanghai (上海) e à capital Pequim (北京). Claro, o grande contraste atual da China é entre a vida em cidades como essas e nas províncias do interior, que não visitamos. Não vimos diretamente o abismo que separa a vida na cidade e no campo. Mas mesmo Shanghai e Pequim já apresentam um contraste bastante forte.

Ao chegar em Shanghai, a primeira coisa que vem a cabeça é "Ué, mas a China não era comunista?". Shanghai é uma cidade economicamente desenvolvida e internacionalizada. A quantidade de prédios em construção impressiona, mas é a grande presença de empresas internacionais que chama mais atenção. Aquela música dos anos 80 do RPM dizia que “agora a China bebe Coca Cola”. Hoje em dia, a China “bebe” de tudo: eletrônicos, grifes internacionais, cadeias de fast food. O governo chinês vê Shanghai como a vitrine da nova China. A cidade é legal, mas sem muitas atrações. O mais bacana mesmo é passear pelas ruas. Alias, nos sentimos bem seguros nos nossos passeios, por toda China. Ouvimos tantas histórias de que deveríamos cuidar com a segurança que isso nos chamou atenção. Em nenhum momento sentimos risco físico. O que sentimos, sim, em vários momentos, foi a impressão de que estavam querendo nos passar pra trás.

Pequim, por outro lado, tem muito mais cara de socialista. Grandiosas avenidas, cheias de prédios residenciais, sem tanta ostentação. Pouca presença internacional (pelo menos no centro), exceto pelos luxuosos hotéis construídos para as olimpíadas. Uma grande faxina urbana tem feito desaparecer muito dessa cara socialista. Muitos prédios e vilas são demolidos para darem espaço ao “progresso”. E as vilas que não foram relocadas a tempo, recebem agora um bonito muro que às esconde de quem passa pelas avenidas. Essa demonstração descarada de segregação seria criticada em qualquer parte, mas aqui é natural: se o governo decide, ninguém pode reclamar.

Mas muito do progresso que vemos na China é baseado na construção civíl. Construir é absurdamente barato na China, e se constrói muito mais do que se precisa. É interessante ver os containers nos canteiros de obras onde os obreiros moram. Muitos dos prédios novos estão subutilizados, ou com lojas e empresas que não “correspondem” a prédios daquela escala, outros estão simplesmente vazios mesmo. E esse “desenvolvimento”, por não ser acompanhado da educação das pessoas e sua melhoria de vida, fica parecendo muito falso. A China, curiosamente, segue à risca a idéia de “desenvolvimento” liberal: de que uma economia de mercado ativa trará riqueza que resultará numa melhor vida dos cidadãos. A economia de fato está ótima, mas o povo não vê resultado real dessa riqueza. Nas ruas, além de muita gente miserável, vimos pessoas humildes tirando fotos em frente de grandes hotéis e shopping centers, como que orgulhosas das “conquistas” de seu governo, e esperando o dia em que aquela riqueza também chegará a elas.

A China é um país que não faz sentido. Um país que gasta bilhões para construir um trem de levitação magnética para ligar o aeroporto ao centro de Shanghai, mas não provê educação e saúde gratuitas para seu povo. Um país que se diz socialista e que, após os protestos por liberdade de 1989, resolveu dar sim liberdade ao povo, mas apenas econômica, jogando na lixeira toda ideologia marxista e mantendo apenas a parte do estado totalitário. Um país em plena atividade econômica, mas em crise de valores, com povo pouco crítico e sem senso de comunidade. País de problemas sérios escondidos por uma população gigantesca e um governo com poder total sobre ela. País em transformação, diferente do que era a 5 anos, e diferente do que será nos próximo 5.

Podia escrever sobre o que visitamos na China e as coisas que observamos nas nossas andanças por lá. Sobre como a Muralha é longa, como o Palácio de Verão de Pequim é bonito, como o trânsito é caótico. Mas nos nossos passeios, as questões realmente importantes só ficavam voltando na minha cabeça, e devem ficar em qualquer um que visite a China. Tinha planos de voltar lá durante as olimpíadas, mas pela falta de infraestrutura desisti completamente da idéia. Há muita coisa bonita para se ver na China, mas depois de uma semana, lidar com sua população, trânsito, desatenção a detalhes, cansa. Durante os jogos, ou a China trará grandes dores de cabeças aos turistas que tentarem utilizar a infraestrutura local, ou fará um “mundo de faz de conta” para os turistas com data de expiração. Pois quando o assunto é fachada, a China é especialista.

Como não falei muito sobre a viagem em si, deixo vocês com o álbum completo de fotos (com legendas) e pra quem se interessou pelos assuntos tratados nesse post, recomendo assistirem o documentário online Frontline: The Tank Man.

quinta-feira, abril 19, 2007

Fronteira com a Coréia do Norte

Mais de um mês e tinha ficado faltando o post sobre a zona desmilitarizada da Coréia... Agora vai!

Não sabendo nada da Coréia, tinha dois lugares que eu gostaria de conhecer. A capital, Seoul (서울), e a fronteira com a Coréia do Norte. Há alguns anos uma amiga visitou a fronteira e eu vi as fotos, e coloquei na minha lista de lugares que gostaria de visitar. E pra entender o porquê tem que se falar um pouco de história da Guerra da Coréia.

No final da segunda guerra a Coréia (sem distinção de Norte ou Sul) estava ocupada pelos japoneses. A história da ocupação japonesa na Coréia por si só já é bem interessante, e recomendo pra quem tem interesse, mas não cabe aqui. Com o fim da guerra e a rendição incondicional dos japoneses, estes foram obrigados a desocupar a região, que então foi dividida em duas zonas de controle, dividas pelo paralelo 38°N.

E aí nasce a guerra-fria! A parte Norte ficou controlada pelos soviéticos enquanto a Sul pelos americanos. Tres anos depois, em 1948, foram fundadas as duas repúblicas independentes da Coréia, com regimes políticos distintos de acordo com a zona de influência que ficaram, e os dois com a certeza de que o seu regime era o mais apropriado para a grande nação coreana que se unificaria um dia. Em 1950, com o apoio dos soviéticos que o colocaram no poder, Kim Il-sung, o “eterno presidente da Coréia” e pai do atual maluco que dirige o Norte, resolveu invadir a Coréia do Sul. O ataque foi de surpresa e teve bastante sucesso, em pouco tempo ocupando praticamente toda a península coreana com exceção da região ao redor de Busan (부산), ao Sul da península.

O alvoroço internacional foi grande, e a ONU logo autorizou o envio de tropas à região para auxiliar o Sul a retomar seu território. O desembarque das tropas americanas na região de Busan foi decisivo e equilibrou as forças, e o fronte de batalha foi rapidamente empurrado de volta ao Norte, ao paralelo 38°. Mas o comando militar resolveu continuar a investida, e logo a península praticamente toda estava tomada pelas tropas americanas. O governo da China, temendo uma nação Ianque tão próxima de sua fronteira, enviou ajuda militar à Coréia do Norte, que conseguiu então retomar a maior parte de seu território original.

No dia 27 de Julho de 1953 os representantes dos dois países se reuniram próxima a então linha de conflito e assinaram um cesar-fogo, concordando em recuarem dois quilômetros cada do então fronte, criando uma zona desmilitarizada. Essa região, portanto, é uma faixa de 4 quilômetros de largura, não ocupada, que divide as duas Coréias, com apenas um ponto de encontro em toda sua extensão, a Área de Segurança Conjunta (JSA), próximo de onde foi assinado o acordo. As duas Coréias permanecem, então, teoricamente em guerra, já que um tratado de paz nunca foi assinado, mas ambos os lados estão em um cesar-fogo que já dura mais de 50 anos. E até 1991 todas as discussões de paz eram feitas neste local, em pequenas salas de reunião que se localizam exatamente sobre a linha do armistício.

Visitar a JSA não é um passeio fácil. Não é possível simplesmente ir lá por conta própria. Mas algumas agências de turismo organizam excursões até o local, todas de forma muito controlada e com regras rígidas. Primeiro, a região é proibida a civís coreanos. É necessário apresentar passaporte estrangeiro, que é verificado diversas vezes até chegarmos efetivamente lá. Também, deve-se assinar um termo isentando a ONU de qualquer dano sofrido enquanto estamos lá, incluindo morte, além do comprometimento de não fazer qualquer gesto ou provocação aos guardas no local. Os trajes usados devem ser discretos, sendo proibido o uso de roupas com temas militares, calças rasgadas, bermudas etc. Enfim, fica bem claro que não estamos indo a um lugar qualquer.

Como havia dito, queria muito visitar a região, mas precisávamos encontrar a excursão adeqüada. Algumas agências vendem o pacote até a zona desmilitarizada, mas excluem a visita à JSA. Recolhemos vários folhetos de agências e escolhemos os que pareciam pacotes mais completos. Mas ao telefonar para fazer reserva, sempre nos informavam que não havia vagas, o que nos deixou bastante chateados. Teríamos que voltar a Coréia se quiséssemos visitar a zona desmilitarizada.

Mas já havíamos visitado as principais atrações de Seoul, e vimos que a maior parte das excursões se reuniam no mesmo lugar para sair. “Devem ser todas a mesma excursão montada por uma operadora, que vende por outras empresas.”, pensei, e resolvemos arriscar aparecer no dia seguinte cedo no local para ver se não conseguíamos a vaga de alguém que tivesse desistido. Chegando lá, encontramos a operadora, e dissemos que gostaríamos muito de fazer o passeio, apesar de não termos reserva, caso houvesse alguma desistência. Um Senhor, que parecia o dono da companhia, me disse que infelizmente a excursão daquele dia era para turistas japoneses, e que seria toda em japonês. Aha! “Eu sei japonês!”, exagerei, explicando que morava no Japão e que estaria tudo certo. Já havia lido bastante sobre a região então a explicação da guia não faria tanta falta. E quanto as orientações de segurança, até fiquei um pouco apreensivo, mas sabia que mantendo-me atento, com bom-senso e fazendo tudo como os outros faziam não teria maiores problemas. O Senhor aceitou nosso pedido! Lá fomos nós para a fronteira com a Coréia do Norte em um ônibus cheio de japoneses!

O ônibus toma a “estrada da liberdade”, uma rodovia larga de 8 pistas que liga Seoul a Pyongyang. Saindo de Seoul a estrada até é normal, com carros civís, mas a medida que nos aproximamos da fronteira ela vai ficando deserta, os automóveis vão dando lugar a caminhões militares e de carga, e se nota a grande quantidade de postos de observação militar junto à costa, de poucos em poucos metros, além de uma cerca que isola toda a área. Uma estrada desse tamanho obviamente não é pra transportar a população de uma cidade a outra, e se diz que o objetivo dela é fazer uma rápida distribuição das tropas no caso de um eventual confronto. No ônibus, mais uma vez, uma verificação detalhada dos passaportes, feita pelo fotógrafo do grupo que eu aposto ser um ex-militar que acompanhava o grupo. O Senhor dono da agência nos acompanhou, pois ele falava chinês e ia explicando tudo aos chineses que estavam no grupo. Apesar de não fazer as explicações em inglês, ele foi sempre muito atencioso com a gente.

Após mais uma verificação de passaportes, entramos na base de Camp Bonifas, da ONU, na entrada da área desmilitarizada. Lá não se podem tirar fotos, e assistimos uma apresentação sobre o histórico da região e da base. O lema da base é “In Front of them All”, e dizem que é uma das bases da ONU mais tensas de se trabalhar, pela forte presença das tropas inimigas a poucos quilômetros de distância. Trocamos então de transporte, dos ônibus da agência para ônibus azuis da ONU, conduzidos por militares, e fomos para a Área de Segurança Conjunta (JSA).

O passeio por lá durou cerca de meia hora. Visitamos uma das salas de conferência que ficam sobre a fronteira (a linha passa exatamente sobre o centro da mesa), podendo entrar alguns metros na Coréia do Norte. Subimos em um mirante que permite olhar um pouco melhor para o lado Norte, e depois fomos a um local onde se pode ver o local de assinatura do armistício. Voltamos ao ônibus e passamos pelo local do incidente do machado, último confronto ocorrido na região, onde havia uma árvore que bloqueava a vista entre dois pontos de controle da ONU. As forças da ONU ordenaram a derrubada da árvore, mas o exército Norte-coreano se opos, o que causou um confronto que resultou na morte de um Capitão da ONU e outro soldado, e no fim da liberdade de passagem dos soldados dos dois lados na Área de Segurança Conjunta. Hoje, as tropas de cada lado ficam do seu lado da fronteira. O nome da base da ONU é em homenagem a este Capitão, Arthur Bonifas. Antes disso, curiosamente, conseguimos avistar turistas visitando a Área de Segurança Conjunta pelo lado Norte, o que nos deu uma sensação bastante estranha. Era como ver uma versão da gente em um universo paralelo. :)

Voltamos a base da ONU, passando obviamente pelo gift-shop, e tomamos nosso ônibus civil de volta a Seoul. Foi um passeio curto mas muito interessante: visitar um dos berços da guerra-fria, e que talvez venha a ser um dos últimos resquícios dela. Ainda teria muito mais o que escrever sobre a visita, mas tem coisas que só estando lá para sentir.

sábado, março 31, 2007

Na terra dos meus antepassados

Já fazia tempo que eu queria conhecer a Coréia. Da primeira vez que vim ao Japão gostaria de ter ido pra lá, mas um problema de burocracia com vistos e permissões de reentrada me impediu. Finalmente, agora em Março, consegui conhecer Seoul (서울) e a zona desmilitarizada da fronteira com a Coréia do Norte. Foram apenas 3 dias, mas o suficiente para ter uma primeira impressão do país.

Por que a Coréia? Muitas razões. Primeiro, nós ocidentais até conseguimos pensar em algo quando ouvimos falar do Japão ou da China, mas quando o assunto é Coréia vem aquele branco, e as poucas coisas que sabemos é que lá aconteceram as Olimpíadas de 1988 - a primeira vez que muita gente ouviu falar do país - e que no norte um maluco mantém um regime autoritário e comunista, com planos de construír uma bomba atômica pra barganhar internacionalmente.

Além disso, queria ver quais das coisas “diferentes” daqui do Japão fazem realmente parte da identidade japonesa e quais são características mais gerais da Ásia. Claro, ainda tenho muito o que conhecer do continente, e não é por um país apenas que vou poder chegar a estas conclusões. Mas a Coréia é um local fácil e civilizado de começar essa exploração. Finalmente, e um motivo mais de brincadeira, é que meu sobrenome, “Jung” (jovem, em alemão), também é um dos sobrenomes mais comuns na Coréia, e já me confundiram com coreano pelo nome mais de uma vez. Queria, então, conhecer a terra dos “meus antepassados”. Hehe.

Não vou escrever aqui dados históricos e/ou políticos da Coréia. Isso pode ser encontradas nos (capítulos de introdução dos) melhores guias turísticos. Vou aqui apenas listar algumas das observações que fiz em 3 dias por lá. Não dou nenhuma garantia de que elas estejam corretas. :)

  • Vi muita coisa em construção. Tanto prédios enormes quanto obras de infra-estrutura. Pontes, ferrovias, viadutos. O superavit comercial do país é aparente e parece estar sendo posto em bom uso.
  • Seoul também é uma cidade populosa, mas com mais sensação de espaço que Tóquio. As ruas tem calçadas, e não vimos as casinhas e prédios grudados que vemos tanto aqui no Japão. Também, os espaços públicos são mais sujos que no Japão, mas ainda mais limpos que em muitas partes do Brasil.
  • A cidade tem um sistema de metrô bastante abrangente, com muitas linhas como o de Tóquio. Os vagões parecem mais simples, mas são mais espaçosos. Acho que eles utilizam a bitola padrão (não utilizada no Japão exceto no Shinkansen), o que deixa os corredores mais largos. O custo do bilhete é mais barato, e as catracas mais “primitivas”, embora estejam sendo substituidas por catracas mais modernas. O sistema também aceita cartões sem contato, mas pareceu um pouco menos movimentado que os trens em Tóquio.
  • Falando em preços, os do dia-a-dia são um pouco mais baratos que no Japão. Em geral as coisas baratas são um pouco mais baratas (uns 10-20%) e as mais caras são mais caras. Ingressos de museus, parques etc são bem mais baratos que no Japão.
  • As pessoas se vestem mais “normalmente” do que no Japão, mais discretas. Muitos passariam por brasileiros. Também, aparece uma diferença entre as gerações. Os jovens, por crescerem em um país mais desenvolvido, com mais educação, parecem ser de uma classe diferente dos mais idosos, de uma época em que a Coréia era mais pobre e simples.
  • Menos influencia americana do que esperava. Muito menos que aqui no Japão. Talvez porque na Coréia os americanos não terem sido o inimigo que venceu a guerra e ocupou o território, como aqui. Mas isso é só palpite. Existem as cadeias internacionais de fast food, mas não em toda quadra como aqui. O que mais surpreendeu foi a quantidade de marcas de produtos e serviços japoneses. Em muitas situações nos sentíamos “em casa”.
  • Relacionado aos dois pontos acima, tive mais uma impressão geral: a Coréia ainda não assimilou o “turbo capitalismo”, a sociedade do consumo exagerado, como o Japão e EUA. É um país ainda de caráter produtor. Não se vêem carros importados nas ruas, ou tantas grifes internacionais. Não se desperdiça tanto, em embalagens, combustíveis. Espero que mantenham essa mentalidade.
  • A Coréia é um dos paraísos de eletrônicos, mas estes não parecem tão incorporados à vida das pessoas como no Japão. Não vi pessoas usando notebooks nos trens, por exemplo. Celulares, claro, são muito utilizados, e bastante menores que no Japão. Vi muitas pessoas assistindo TV nos celulares, mesmo no metrô, o que não é possível no Japão (somente em trens de superfície). Também, muitas pessoas ouvindo players de MP3, mas menos iPods que no Japão. Acho que mais uma vez era a força das empresas locais.
  • Encontrei muitas coisas “comuns” da Ásia. As formas “estranhas” de especificar endereços (não por números nas ruas, mas por quadras nas regiões), as divisões geográficas, a alimentação. As comidas na Coréia são diferentes das japonesas, mas existe muita coisa parecida que mostra ter uma origem comum. Lendo sobre os costumes, vi que muitos são iguais aos do Japão. Quanto à escrita, é diferente. A Coréia utiliza um alfabeto fonético muito interessante chamado Hangul, mas seu uso é recente e antes dele se utilizavam caracteres chineses (ideogramas). Muitos nomes próprios ainda são representados dessa forma, com pronúncia vindo do chinês e que lembra o japonês. Alias, as placas nas ruas e atrações turísticas, além de representação em alfabeto romando/inglês estão descritas em ideogramas, o que facilita para os turistas da região. Mesmo para nós, em algumas situações, identificar alguns ideogramas era um comforto.
  • E quanto a cultura e história? Visualmente parece uma mistura de Chinês com Mongol, o que não é surpresa já que a Coréia é uma península ligada ao continente pela região da antiga Manchúria. Se imaginarmos vestimentas, hábitos, feições etc, desses dois povos e os juntarmos em uma só cultura, teremos algo muito próximo do que se vê nos museus da Coréia. Em termos de arquitetura e prédios históricos, muito foi destruído pelas sucessivas guerras e ocupações da região, mas felizmente hoje se vê um esforço grande de recuperação e manutenção desses espaços.

Estas foram impressões gerais da visita a Seoul, com grandes possibilidades de muita coisa equivocada. Observações sobre a zona desmilitarizada de fronteira com a Coréia do Norte ficam para o próximo post. Por enquanto, podem ficar com mais algumas fotos no Flickr.

sexta-feira, fevereiro 16, 2007

Valentine's day

Aqui no Japão, Fevereiro não é epoca de samba, enredo, harmonia, evolução (com todo respeito, ainda bem!). Como bom país ex-ocupado pelos EUA, a principal celebração do mês é o Valentine's Day, aquela mistura de Dia dos Namorados com Dia do Amigo dos americanos que a gente conhece do desenho do Charlie Brown, em que ele fica ansioso esperando pelo cartão da garotinha ruiva.

Pois bem, como tudo aqui, eles dão uma adaptada. Valentine's Day no Japão é o dia em que só as mulheres dão presentes para os homens. E só tem uma opção de presente: chocolate. Como nos EUA, além de se presentear namorados, maridos, amantes, também se pode presentear amigos. E bem de acordo com a cultura milenar do Japão de hierarquia e obrigações, as mulheres também devem dar chocolates para seus chefes e superiores. Esse chocolate, porém, é chamado de giri choko (義理チョコ), sendo choko chocolate e giri um dever social ou obrigação, e o objetivo é manter um bom relacionamento de trabalho.

Mas antes que digam que isso é um paradoxo (já que mulher adora chocolate e homem em geral nem tanto), ou ainda que é o machismo ao extremo, saiba-se que exatamente um mês depois do Valentine's Day, em 14 de Março, os homens devem retribuir os chocolates recebidos, dando chocolates às namoradas, amigas, secretárias etc. Essa data foi criada exclusivamente por motivos comerciais e não tem nenhum significado religioso ou social. E apesar da origem comercial, acredito que as duas datas só “pegaram” por cairem no inverno, data ótima para se comer chocolates. No Brasil fazemos a Páscoa no Outono, e no Dia dos Namorados que é em Junho chocolates não são muito populares. Tá certo que o país praticamente não tem inverno, não faria muita diferença, mas mesmo assim deveriam explorar mais o chocolate como presente em Junho.

E no meu Valentine's Day ganhei meu chocolatinho. Como não sou muito de doce, a forma e o tema pra mim é o mais importante. Não poderia ter ganho chocolate melhor: do Ultraman! Resta agora descobrir se foi giri choko ou não, enquanto procuro o chocolate certo para presentear em Março. :)

quarta-feira, fevereiro 14, 2007

Mais visitas

A semana passada foi bastante agitada por aqui. Primeiro, porque entreguei o último trabalho da única disciplina que faltava (conseqüentemente estou de férias agora, pelo menos das disciplinas) e segundo por mais algumas visitas inesperadas que passaram por Tokyo.

A primeira visita foi da minha querida orientadora do mestrado e família. Foi muito legal poder passar uns dias com eles aqui em Tokyo, mostrando os lugares legais da cidade e dando dicas de como se movimentar e “sobreviver” por aqui. Fomos nos principais bairros, visitamos museus que eu ainda não conhecia, lojas de eletrônicos, livrarias, parques etc. Acho que tão importante quanto visitar os lugares certos é visitá-los nos momentos certos. Por exemplo, aqui em Tokyo tem um templo famoso que qualquer guia sobre a cidade comenta. Mas o que eles não comentam é que se indo a este templo nos fins de semana, a chance de se ver um casamento tradicional japonês é muito alta. Tivemos a sorte de ir ao Meiji-jingu (明治神宮) num fim de semana e testemunhar uma dessas cerimônia. Passeamos também pela região de Harajuku (原宿) no dia em que os jovens vão para lá fazer cosplay (andar fantasiados). Detalhes como esse podem transformar uma viajem já boa numa ainda melhor. E o tempo também ajudou. Temperaturas agradáveis pra se andar na rua e sol todos os dias. Nem parecia Tokyo.

Antes de chegar, porém, por email, minha orientadora parecia bastante ansiosa com a viagem, ao que respondi com o seguinte comentário: “...é normal ficares um pouco nervosa, mas chegando aqui vai ver que apesar da língua, o Japão não é outro mundo, é tudo muito civilizado e seguro. Saindo do aeroporto já vão se sentir bem.” A impressão que tive deles nesses dias foi de que assim se sentiram, e que gostaram da viagem e do país.

Outra visita rápida foi a da Mariko (真理子), amiga que trabalhava comigo quando fiz o estágio em 2003 em Kyoto. Ela esteve em Tokyo no fim de semana e fomos almoçar, com uma amiga dela que mora aqui, onde ela estava ficando. Conversamos um pouco, ela me pareceu mais triste que da outra vez. Pelo que senti o problema é com o emprego dela, já que a empresa (e em especial o departamento onde trabalhávamos) tem passado por mudanças de administração que deixaram o ambiente de trabalho mais tenso. Sugeri que ela procurasse outras atividades de lazer, algum curso ou coisa assim. Ela parece se interessar bastante por arte e talvez seja um caminho. Mesmo assim, foi bom revê-la.

Finalmente, encontrei também um primo da minha mãe, parente que não tinha muito contato desde a infância, mas fiquei sabendo que gosta muito do Japão e já esteve aqui diversas vezes. Devido aos nossos horários apertados (ele com pouco tempo livre na viagem e eu terminando meus trabalhos das disciplinas) acabamos só jantando juntos um dia da semana, mas combinamos que numa próxima visita passearemos com mais tempo, e possivelmente comigo mais fluente em japonês para poder mostrar e explicar melhor as coisas da cidade para ele.

Semana intensa, mas de boas experiências.

quarta-feira, janeiro 24, 2007

Golpe mútuo

Não sei ao certo quando foi a primeira vez que tive contato com o sumô (相撲), mas sei que foi vendo algo na TV, e lembro da estranheza e graça que senti pela idéia de ver dois homens grandes, gordos e seminus tentando se empurrar pra fora de um círculo como duas crianças. Depois disso, não tive mais contato algum com o esporte, a não ser por uma tentativa falha de assistir alguma partida da outra vez que estive no Japão em 2003.

No início de janeiro tive a oportunidade de assistir, finalmente, a uma luta de sumô aqui em Tokyo. E o que posso dizer é que minha opinião não poderia estar mais errada: sumô é um esporte bonito, civilizado e emocionante.

Existem seis torneiros de sumô profissional, ou honbashos (本場所), por ano no Japão, três aqui em Tokyo (em Janeiro, Maio e Setembro) além de um em Osaka (em Março), um em Nagoya (em Julho) e um em Fukuoka (em Novembro). Neste dia em que fomos era o primeiro dia do campeonato de Janeiro, portanto além das tradicionais lutas, foram feitas algumas cerimônias de premiação do campeonato anterior. O local do torneio é o Ryogoku Kokugikan (両国国技館), um ginásio fechado construído exclusivamente para a prática do sumô, com capacidade para 13 mil pessoas. O próprio ginásio já é uma atração em si: dividido em dois pisos, no térreo ficam os “assentos” de primeira categoria. “Assentos” porque ao se comprar um ingresso para estes lugares, se está na verdade comprando uma pequena área quadrada onde se senta no chão, em almofadas. Cada área é um “camarote” para quatro pessoas. Os assentos do segundo piso, onde sentamos, são poltronas confortáveis que se assemelham mais a cadeiras de cinema do que de prédios esportivos. Algumas delas ainda possuem mesa retrátil para se comer ou fazer anotações.

Ryogoku (両国) é a vizinhança de Tokyo onde fica o Kokugikan, conhecida como o local mais tradicional do sumô na cidade, e no país. Ainda dentro da estação de trem do bairro se podem ver grandes fotos de tradicionais lutadores de sumo, os rikishis (力士), e nos arredores diversas estátuas de outros lutadores, com placas onde se podem ver moldes das suas mãos e, mais divertido, se comparar com as nossas. Na vizinhança também se encontram diversas “escolas de treino” de sumô e conseqüentemente os lutadores são facilmente encontrados pelas ruas, mesmo quando não há campeonato.

Num dia de torneio as lutas começam pela manhã e se estendem até o final da tarde. A qualidade técnica dos lutadores vai aumentando, deixando os melhores momentos para o grande final. As duas últimas categorias são, portanto, as duas superiores, e mesmo dentro de cada categoria são respeitadas ordens de classificação, logo a última luta do dia é a do atual campeão. Para enfrentar o dia inteiro assistindo lutas, é necessário se alimentar. Perto do meio dia é possível almoçar no estádio um prato chamado chankonabe (ちゃんこ鍋), um fervido/sopa de vegetais, tradicionalmente comido pelos lutadores para lhes dar força e peso, por um preço bastante acessível. Além disso, o público leva seus bentos (弁当), espécie de “merendeiras” onde uma variedade de alimentos é distribuída em compartimentos específicos. Os espectadores sentados nos lugares mais caros, do primeiro piso, tem direito a receber gratuitamente diversos bentos durante o dia. O público dos lugares ordinários pode levar seu próprio lanche, ou comprar os bentos no próprio ginásio. O interessante destes bentos vendidos no local é que eles são “assinados” pelos lutadores mais famosos, tendo comidas que eles gostam, ou típicas de seus países.

Alias, essa é uma surpresa pra muitos. Não existem rikishis somente japoneses. O campeão atual, inclusive, é da Mongólia, onde o esporte é muito popular. Existem também coreanos, búlgaros, russos, até brasileiros, gente de vários países nas diversas categorias.

Mas vamos falar das lutas. O sumô, como talvez esporte mais tipicamente japonês, não podia ser diferente de outras atividades culturais do país e é, portanto, cheio de rituais. A cada início das partidas de uma categoria, uma cerimônia é feita para a entrada dos lutadores na arena. Os juízes, também, apresentam os lutadores de forma bastante característica em uma voz forçadamente aguda, além de se vestirem com roupas estranhas que lembram a de antigos monges xintoístas, de onde grande parte das tradições do sumô se originam.

Uma destas tradições é o arremesso ao ar de um punhado de sal pelos lutadores na entrada no dohyo (土俵), o “ringue” do sumô. Este gesto tem o intuito de purificar o local e também tem origem xintoísta. O dohyo, como costumam brincar, deve ser bastante resistente e é feito de argila e areia, sendo reconstruído a cada campeonato. O arremesso de sal é marca tradicional de alguns lutadores, que o fazem de forma exagerada para o delírio das crianças (e muitos adultos) presentes.

Estando os dois lutadores apresentados e prontos para a luta, começa uma espécie de “guerra fria” onde eles ficam se encarando e realizando diversos “falsos começos”, como dois animais esperando para dar o bote. Essa fase, antigamente, podia tomar muito tempo por não haver limite, mas atualmente deve se estender por no máximo 4 minutos. Nesse tempo, diz-se que os lutadores estão tentando alcançar o clímax da concentração para a luta, que, sendo alcançado, finalmente começa.

Vou ser sincero e dizer que exceto pelas lutas das mais altas categorias, o sumô é meio chato, pois são muito rápidas e logo terminam. Um lutador facilmente empurra seu oponente pra fora, ou o desequilibra e o faz encostar qualquer parte do corpo diferente das solas dos pés no chão, o que implica em uma derrota. Mas é bem diferente nas categorias de topo! Os lutadores ficam num confronto de força e técnica por alguns minutos e é bonito de ver. Como de geral são as coisas no Japão, no sumô também, apesar de um esporte de luta, é tudo muito civilizado! E mesmo não conhecendo nenhum dos dois que está ali no dohyo, dá vontade de torcer. Dá vontade de ver a técnica do menor lutador vencendo o peso do mais forte, ou que eles fiquem num empurra-empurra eterno até que um canse ou faça um movimento errado e seja derrotado. E o público japonês, também, torce, se manifesta, xinga (clique para o vídeo), completamente o oposto do visto nos jogos de futebol! Sim, existe emoção no coração japonês, e ela se manifesta através do sumô.

sábado, janeiro 06, 2007

Visita esperada

Em dezembro passado não foi só o Fernandão e companhia que andaram por aqui. Chegaram a Tokyo também meu pai e minha irmã, que vieram para me visitar. Fiquei muito feliz com a visita, e satisfeito de ver que meu pai venceu o desconforto com aviões que tinha desde 1997, quando se sentiu muito mal em uma viagem de longa duração. Atravessar o mundo dentro de aviões foi uma forma corajosa e extrema de solucionar o problema!

Aproveitando os pacotes que sairam de Porto Alegre para o jogo do Inter, os dois vieram passar uma semana aqui em Tokyo, fazendo escalas na África do Sul, Malásia e Cingapura. O bom desse itinerário longo é que ao chegarem aqui já estavam adaptados com o fuso-horário, e portanto podemos aproveitar a visita desde o primeiro dia. Como o aeroporto de Narita é bastante longe da cidade, e o pacote deles incluía o translado, os esperei no hotel. Foi fácil identificar o grupo, já que quase todos estavam “fardados” com roupas do colorado. Logo os avistei, mas eles não me viram. Passei por eles e esbarrei na minha irmã, de propósito, e brinquei “Ó, vocês por aqui!”. Nos abraçamos, minha irmã chorava, hehehe. Subimos para largar as malas no hotel e fomos jantar perto dali em um restaurante muito agradável com uma vista bonita. Infelizmente não conseguimos lugar na janela. Mesmo assim, foi um bom reencontro.

Não lembro mais ao certo o que fizemos todos os dias. Tentei ficar com eles a maior parte do tempo e só não pude fazê-lo por dois turnos: um em que tive aulas e outro em que tive que terminar uns relatórios de uma disciplina. Só sei que, de forma geral, não me preocupei tanto em mostrar as atrações “turísticas” de Tokyo mas sim um panorama geral da cidade. Caminhamos muito, pelas diversas vizinhanças da cidade. Pra quem não sabe, Tokyo originalmente eram 23 cidades que foram se aproximando. Por isso, cada vizinhança é bastante diferente. Visitamos as principais: Ueno (上野), Ginza (銀座), Shibuya (渋谷), Shinjuku (新宿), Ikebukuro (池袋), além das cercanias do Palácio Imperial, parques etc. Fomos nos restaurantes que gosto de ir, caminhamos nas ruas que gosto de passear.

Para que eles não tivessem uma visão parcial do Japão (aqui se diz que quem mora em Tokyo não mora no Japão), fomos também a Kamakura (鎌倉), uma das antigas capitais do país que preserva bastante dos templos e arquitetura da época.

Os dois parecem ter ficados bastante impressionados com o país e com sua gente, e acho que entenderam porque eu topei vir pra cá. :) E, sinto, ainda os verei de volta por aqui.