segunda-feira, janeiro 19, 2009

Made in Taiwan

Na verdade, não, é um post japonês, mas sobre a viagem pra Taiwan (台灣) que fiz há cerca de um mês e fiquei devendo. Espero que ainda não tenha esquecido muitas das impressões e consiga passar um pouco do que senti por lá.

Estive na capital, Taipei (台北), por 4 dias, participando de uma conferência pequena. Foi suficiente para ter uma primeira impressão e levantar algumas comparações com a China continental, que queria fazer desde que estivemos por lá em 2007. Minha principal curiosidade era tentar identificar se haviam diferenças significativas na forma de se comportar do povo chinês e taiwanês, e se isso era resultado do desenvolvimento sob as duas formas diferentes de governo. Que existiriam diferenças era óbvio: mesmo na China se vê muito contraste de região para região. Mas mesmo assim existe um “espírito chinês” que permeia toda a China, que eu queria procurar em Taiwan.

Pra começar a se entender Taiwan é preciso saber pelo menos o básico sobre sua história. Desde tempos remotos a ilha já era ocupada por povos nativos, e quando os exploradores europeus avistaram a ilha não tiveram interesse em colonizá-la. Os portugueses a chamaram de “Ilha Formosa”, um dos nomes usados até hoje. A China Imperial também não fez muita questão de assumir o território, sendo os japoneses quem fizeram a primeira ocupação moderna da ilha, no final do século XIX. Na época, o Japão estava na sua fase expansionista, em busca de novos territórios na Ásia e recursos naturais. Não surprende o Japão ter se interessado em Taiwan que, mesmo não sendo tão rica em recursos, tinha um ambiente muito parecido com o Japão (ilha montanhosa, cheia de florestas e rios de águas cristalinas) e, claro, fica no meio do caminho para o sudeste asiático. Os japoneses aproveitaram o que puderam de Taiwan. Muitas das florestas da ilha foram derrubadas para se usar sua madeira na construção de templos no Japão. Até mesmo o famoso e enorme torii (鳥居) do Santuário Meiji (明治神宮) em Tokyo, foi construído com essa madeira. Mas os japoneses também tiveram muita importância no desenvolvimento do território, trazendo sua tecnologia e industrialização para a construção de infra-estrutura e rede de ensino.

Com o fim da 2ª guerra, em 1945, Taiwan foi devolvida à China, agora não mais Império mas dominada pelos burgueses e intelectuais, que destronaram “o último imperador” e estabeleceram a República. Alguns anos depois, em 49, vem a revolução comunista, e Mao e companhia, cansados das injustiças dos republicanos, os colocam pra correr. Deixando a China continental às pressas, eles se instalam em Taiwan, levando consigo, é claro, todos os tesouros históricos da China, que hoje estão em exibição no enorme Museu Nacional do Palácio, em Taipei.

E é por isso que o governo de Taiwan, que descende desses políticos que fugiram da China, se considera o verdadeiro governo chinês, no exílio, e oficialmente chama Taiwan de República da China, em contraste com a República Popular da China estabelecida pelos comunistas na China continental. Seu plano final seria retomar o poder no continente, no dia que o regime comunista terminar. E é por isso que a China, por outro lado, não considera Taiwan como um país independente, apenas como uma “província rebelde”.

Entendendo isso logo se vê que tentar justificar as diferenças entre chineses e taiwaneses somente pelo sistema político é simplificar demais. Primeiro, porque muito da cultura, hábitos e forma de vida dos habitantes da ilha foi fortemente influenciada pela longa ocupação japonesa. Segundo, porque os chineses que tomaram a ilha não eram da classe camponesa, mas sim a elite cultural da República da China. E observando as pessoas, isso é evidente.

Andando pelas ruas de Taipei, em nenhum momento lembrei das ruas de Pequim (北京) ou Shanghai (上海), cidades de mesmo porte na China. E não me refiro só em termos de edificações, mas principalmente das pessoas. A forma de se comportar, vestir, me fazia pensar estar no Japão, e tinha que me controlar para não tentar falar com as pessoas em japonês. As pessoas pareciam mais controladas, introspectivas, preocupadas com a aparência, como é comum no Japão. Me senti seguro, em nenhum momento desconfiado, diferente de como me senti na China continental. E, claro, a influência japonesa se completa na grande quantidade de empresas japonesas operando na ilha, o que faz com que às vezes se esqueça de que não se está no Japão.

Passeei por Taipei, visitei o Taipei 101 - maior prédio do mundo em operação, não só construído mas também projetado em Taiwan, o que demonstra seu desenvolvimento humano -, e o Museu Nacional do Palácio, usei o metrô limpo, bonito e eficiente da cidade. Até peguei o trem bala que, em cerca de 1 hora e meia, praticamente atravessa de norte a sul a ilha e leva até o Lago Lótus, lugar turístico onde diversos templos criam um cenário bastante exótico (pra mim) e bonito. Depois de tudo isso, já tinha sentido que Taiwan era muito diferente da China. Mas ainda restava uma dúvida: Taiwan é um país, afinal? Sabia as respostas oficiais, tanto da China quanto do governo taiwanes, mas o que pensavam os taiwaneses?

Por sorte, dividi a mesa do jantar da conferência com os alunos que estavam trabalhando na conferência, e por terem praticamente a minha idade e mesmo background (estudantes), o clima ficou logo amigável e descontraído. Falamos sobre universidades, pesquisa, países, e finalmente lancei a pergunta: “voces consideram Taiwan um país?” A primeira resposta foi a oficial, histórica, de que Taiwan era o governo da República da China no exílio etc, então reformulei a pergunta: “sim, mas para voces, pessoalmente, a impressão é de que Taiwan é um país? Voces se sentem chineses?” e os rostos passaram a demonstrar mais dúvida e certa discordância. A impressão geral que tive é que a resposta não é unânime, mas que o pessoal mais novo, e que portanto não cresceu na esperança de que um dia voltariam a ser chineses, se sentem antes de tudo taiwaneses, mesmo que não neguem sua origem chinesa. E tentando me colocar no lugar deles, imaginei que seja parecido com brasileiros que, descendendo de europeus, como eu, sabem suas origens e dão o devido valor a elas, mas não conseguem se ver como europeus, antes de brasileiros.

Taiwan tem todas as obras e infraestrutura de país desenvolvido, mas isso não é a única coisa que indica o desenvolvimento de um país. Também é preciso se considerar o desenvolvimento de seu povo, e isso não é indicado só por um número. A impressão que tive do povo taiwanês foi das melhores: um povo educado, ensinado e que, cada vez mais, tem noção de seu papel no seu país e no mundo.