terça-feira, agosto 04, 2009

Favorzinho...

Há 3 anos, postei aqui um vídeo do trem lotado que pegava todas as manhãs para ir a aula de japonês. Recentemente, enviei o mesmo para um concurso de vídeos de Tokyo. Ele não tem nada de especial em si, o interessante é o que mostra. E não é que o vídeo foi parar na final do concurso? Agora tem uma votação para escolher o melhor vídeo...


Então, quem quiser me ajudar (o primeiro prêmio é um voucher de ~400 dólares para viajar dentro do Japão, prometo aproveitar bem e escrever a respeito se ganhar!), é só ir na página de votação e votar no meu vídeo: “Crowded Train in Tokyo”.

O site limita a uma votação por endereço IP, ou seja, um voto por computador (se duas pessoas tentarem a partir do mesmo, só irá contar o primeiro voto). Mas nada impede de se votar de casa, do trabalho, etc. :)

A votação vai só até o dia 10 (dia 9 no Brasil)! Yoroshiku onegaishimasu (宜しくお願いします).

domingo, maio 31, 2009

Em busca da sustentabilidade

Já faz um tempo que eu queria escrever um post sobre como é o sistema de lixo aqui no Japão. A Fernanda escreveu um email sobre o assunto para seus amigos, e eu gostei tanto que convidei ela para colocar o texto aqui e compartilhar com vocês. Espero que gostem!

-- Roberto Jung Drebes

O tema de hoje é algo com que me preocupo já há alguns anos: a consciência ambiental.

Toda vez que acabava a carga das pilhas da calculadora, do dicionário eletrônico, do controle remoto etc. eu lembrava que eu deveria comprar pilhas recarregáveis para substituí-las. Mas pela comodidade de comprar uma cartela de pilhas na loja da esquina por 2 reais, eu acabava me acomodando. Este mês, pus fim a essa inércia: dediquei parte do meu orçamento mensal a um carregador de pilhas e a um conjunto de pilhas AA e AAA recarregáveis. Não foi barato: paguei cerca de 140 reais no conjunto (embora a conta pudesse ser menor, talvez menos de 100 reais, se eu comprasse pilhas com menor capacidade e um carregador mais lento). Esse custo provavelmente demorará para ser compensado pela não-necessidade de comprar pilhas, ou talvez, nunca será compensado. Porém, o motivo de eu ter feito essa opção não foi financeiro, e sim ambiental.

As pilhas jogadas no lixo comum contaminam o solo e os lençóis freáticos, pois muitas delas contém metais pesados e outras subtâncias tóxicas. Mesmo separando para reciclagem, o gasto de material e energia é inevitável. Na embalagem do carregador que eu comprei diz que eu posso carregar as pilhas cerca de 1200 vezes. Imaginem o número de pilhas que eu vou evitar comprar, usar e jogar.

Desde adolescente me interessa o assunto de reciclagem do lixo. Em 1992 teve uma campanha de conscientização sobre a reciclagem do lixo em Curitiba ("Lixo que não é lixo não vai pro lixo. Se-pa-re!"), e desde então minha família passou a ter o hábito de separar lixos recicláveis. Quando mudei a Campinas, vi que esse costume não era tão comum. Era estranho jogar casca de banana junto com o potinho de iogurte. Mas ao morar com umas amigas da universidade, decidimos separar o lixo, e minha consciência ficou mais tranquila. Se realmente todo esse material é reciclado, é outra história. Mas fazemos nossa parte.

Aqui no Japão há diferentes regras de separação do lixo, variando com a região onde se mora. Até mesmo dentro de Tóquio, cada distrito tem sua regra. Há lugares onde a separação é bem rígida, mas no distrito onde moro é razoavelmente simples: lixos incineráveis, não-incineráveis, latas, garrafas pet, garrafas de vidro, bandeja de isopor e papel. Além disso, tem os postos de coleta de pilhas e baterias, óleo usado, tecidos e outros lixos específicos. O material reciclável separado é pouco, mas imagino que esse pouco realmente seja reciclado. Com a falta de espaço para despejar o lixo que 120 milhões de pessoas produzem numa área 23 menor que do Brasil, o Japão apela para a combustão do lixo, que eu não acho muito ecológico, pelo gasto de energia e geração de dióxido de carbono, mas que não é muito pior que acumular nos imensos lixões como no Brasil. Aliás, mesmo as grandes cidades do Brasil também já estão tendo problemas com o despejo do lixo.

Se reciclar é bom, diminuir o lixo é ainda melhor. Quando eu morava no dormitório da universidade, no meu primeiro ano no Japão, acumulei tanta sacola de plástico de supermercado que, na hora de me mudar, joguei fora uma sacola cheia de sacolas dentro, e ainda levei uma parte delas para a minha nova casa, para diminuir um pouco o peso na consciência. O acúmulo de sacos plásticos se deu principalmente pelo fato de eu receber sacos de lixo no dormitório, o que fazia com que eu não usasse as minhas sacolas para jogar o lixo, além da minha falta de costume de usar sacolas não-descartáveis. Eu ganhei uma sacola de pano nos primeiros meses de Japão, mas mesmo assim às vezes esquecia de levá-la ao supermercado e outras, esquecia de dizer ao caixa para que não colocasse as mercadorias nas sacolas de plástico. Com o tempo, fui me educando a usar a sacola de pano e desde então tenho diminuído consideravelmente o volume de sacolas na minha casa. Se eu sozinha juntei um volume tão grande de sacolas, penso na quantidade de sacolas poderiam deixar de ser produzidas - e descartadas - se todos usassem sacolas reutilizáveis.

Embora o Japão se preocupe com a reciclagem, é também um país que gera muito lixo, e um dos principais motivos é o excessivo uso de embalagens (sem entrar no assunto de descarte de eletrônicos). Às vezes compro um pacote de biscoitos querendo "encher a mão" e colocar vários na boca de uma vez, e meu prazer é barrado ao ver que os biscoitos estão embalados um a um. A apresentação é impecável, mas o gasto de material poderia ser reduzido... Além disso, os japoneses tem hábito de comer "obento", ou seja, marmita. Originalmente esses obento eram preparados em casa pela dedicada esposa e mãe, que cozinhava e enfeitava as marmitas para seus maridos e filhos levarem no trabalho e nos passeios da escola. Porém, com o passar dos tempos, a praticidade tomou conta das suas vidas, e os obento passaram a ser vendidos em lojas de conveniência e até em lojas especializadas em obento. E com isso, mais embalagens de plástico, mini-garrafinhas de shoyu, sachês de molho, hashi descartável etc. passaram a ser gerados.

Na onda do ecologicamente correto, juntanto produtos ganhados e comprados, montei meu kit-obento: a marmita propriamente dita (chamo de "obentozeira"); kit-talheres desmontáveis, com garfo, colher e hashi; porta-oniguiri (bolinho de arroz) lindo com cara de porquinho; garrafinha térmica; sacolinha térmica para levar o obento. Para falar a verdade, não diminuo tanto lixo com esse "kit", pois eu nunca tive o costume de comprar obento pronto, já que não é muito saboroso. Eu só diminuí a frequência com que vou ao refeitório da faculdade, o que me fez economizar um pouco de dinheiro e ainda me permitiu fazer comidas do meu gosto. Porém, o uso do porta-oniguiri evitou o uso de filmes plásticos, que inicialmente eu usava para embalá-los, e a garrafa térmica diminuiu a compra de bebidas em garrafas pet.

Minha mensagem é, como diz na minha sacolinha reutilizável: Reduza, Reuse, Recicle. Dizer que só um não faz diferença é desculpa para não começar. Um vezes 6 bilhões deve fazer diferença. E o que eu falei é uma parte muito pequena do problema todo. O que mais podemos fazer pelo futuro do nosso planeta?

sexta-feira, abril 17, 2009

A Brasília do Camboja

Nossa viagem de ano novo não foi só para a Tailândia. Aproveitamos que já estaríamos praqueles lados e resolvemos também dar um pulo rápido no Camboja, mais especificamente nos templos de Angkor na cidade de Siem Reap.

Antes de vir pra Ásia, nunca tinha ouvido sobre o complexo do Angkor Wat: acho que é reflexo da nossa ignorância ocidental da história da civilização asiática, dessa sensação de que a forma em que a humanidade vive hoje vem da Europa e de que os acontecimentos e realizações de outras culturas são apenas curiosidades históricas. Fiquei sabendo pela primeira vez sobre os templos de Angkor em um parque de miniaturas no Japão, onde existem maquetes de vários patrimônios da humanidade, e depois por relatos de amigos que também visitaram o sudeste Asiático. Indo para a Tailândia, ali do lado, fizemos questão de visitá-los.

O Camboja é um país pobre, e ir de Bangkok até Siem Reap de ônibus, dizem, não é muito agradável. É fato: a gente não gosta de ter contato direto com miséria, ainda mais quando não há muito a nosso alcance para acabar com ela, e o caminho por onde o ônibus passa é pouco desenvolvido. Algumas semanas antes, também, ocorreram uns conflitos na fronteira do Camboja com a Tailândia, então resolvemos escolher a alternativa mais cara, um vôo operado pela Bangkok Airways que leva direto a cidade dos templos, sem nem ao menos passar pela capital Phnom Phen. Como a empresa tem monopólio nessa trajeto, o custo do vôo não é dos mais baratos, mas foi completamente válido. Chegamos direto no novo aeroporto turístico em Siem Reap (lembra um pouco o de Porto Seguro), onde já fomos recebidos pelo nosso motorista de tuk tuk que nos levaria ao hotel.

O caminho assustou um pouco. Estava escuro e não conseguíamos ver muito bem como se pareciam as casas e as ruas na penumbra. Parecia que estávamos indo para um lugar bem pobre (no dia seguinte veríamos não ser ruim assim). O hotel era simpático, uma casa grande e arejada mantida por um Sr. australiano, com piscina, bar, etc. e funcionários bastante atenciosos. Antes de dormir, pedimos na recepção do hotel para agendar um motorista para nos levar no dia seguinte ao Angkor Wat, e a moça nos perguntou se gostaríamos de ver o nascer do sol nos templos, programa bastante comum. Já que estávamos descansados, aceitamos nos encontrar as 5 horas da manhã com o motorista do tuk tuk (o mesmo que nos buscou no aeroporto) para sair em direção aos templos.

Dia seguinte, ainda escuro, lá estávamos nós. Chegando no templo principal, muitos outros turistas e uma escuridão total. Fomos andando entre as pedras, seguindo o som das outras pessoas, e a luz das poucas que levavam lanternas. Achamos um lugar bom para fotos, e esperamos amanhecer. Poucos pingos de chuva já indicavam que o céu não estaria aberto, mas fazer o quê, só tínhamos dois dias no Camboja.

De fato, o nascer do sol não foi dos mais bonitos. Não foi igual aos postais com o nascer por detrás das pedras do templo mas, mesmo assim, foi uma experiência única. Assistir qualquer amanhecer é sempre encantador: é como um entardecer mas com as pessoas, o ambiente, em outro ritmo. Ao clarear, demos as primeiras voltas no templo de Angkor Wat, e resolvemos partir para visitar os outros templos, voltando ali à tarde.

Passamos os dois dias visitando templos. Para quem não sabe muito da história da civilização Khmer (como nós), parece tudo muito igual. São grandiosas construções-cidades esculpidas em pedra, o estilo mudando pouco de uma para a outra (para nossos olhos ignorantes de história). Além do Angkor Wat, os destaque são os templos de Tah Prohm, com enormes raízes de árvores crescidas sob as ruínas das construções originais (e cenário do filme Tomb Raider), os grandes rostos esculpidos em pedra no Bayon do Angkor Thom, e os detalhados relevos nas paredes das ruínas do Banteay Srei. Fiquei imaginando o custo e trabalho de construir tudo aquilo. Primeiro, pensei, estranho todo esse investimento em enormes construções não ter sido feito em prédios do governo (são templos religiosos), mas daí lembrei: naquela época - e em várias outras culturas -, religião e governo eram a mesma coisa. O Angkor Wat era a Brasília do Camboja. :)

Em todo lugar que íamos, era forte a insistência de crianças para que comprássemos bugigangas. Era chato, mas inevitável em um lugar assim, onde a sobrevivência de muitas famílias depende do turismo. Tínhamos que ignorar completamente os pedidos, senão não conseguiríamos ver tudo em 2 dias, e com o tempo (às vezes muito tempo) elas paravam. Ao visitarmos o Museu de Minas Terrestres (que patrocina o desenvolvimento e educação de algumas crianças da região) lemos um depoimento de uma menina mantida pelo museu em que ela dizia querer aprender inglês para poder vender mais souvenirs, o que confirma essa cultura. Uma pena: sabendo inglês, uma pessoa assim teria um potencial muito maior, poderia facilmente trabalhar no turismo como guia ganhando muito mais (alias, vimos guias locais falando todo tipo de idioma, do japonês, línguas latinas, inglês, hindi, etc), mas a ignorância não permite que eles reconheçam seu real potencial.

Falando em minas terrestres, o Camboja é um dos países onde seu impacto foi mais devastador, resultado dos anos de guerra civil e do regime do Khmer Rouge. Liderado por Pol Pot, esse período é lembrado pela tortura, fome, trabalho forçado, execuções, e proibição e destruição de tudo de origem ocidental. Enfim, destruíram o país. Ao andar entre os templos, sugere-se que os turistas não se afastem das áreas mais populares pois ainda podem haver minas terrestres perdidas em locais remotos. Pelos anos 80 o Vietnã invadiu o Camboja e continuou o conflito, mas isso levou a mudanças e o país finalmente conta com um governo que, se não perfeito, pelo menos é estável e democrático. O povo Cambojano sofreu muito, e vê-los na atualidade dá esperança no desenvolvimento. Pensei no nosso motorista, Heng. Ele aparentava uns 50 anos, mas deveria ser mais jovem. Fiquei imaginando como teria sido sua vida e de sua família naqueles anos, e como ele vivia agora, com os dólares do turismo, e tive certeza que o sorriso constante no seu rosto era reflexo dele, finalmente, saber o real significado de felicidade.

Nos templos vimos também muitas crianças cambojanas em excursão escolar. Olhando pra elas, ficava imaginando o que pensavam vendo um passado tão grandioso do seu país, comparado com sua situação atual de pobreza e de pouca relevância internacional. Claro, elas nem tinham idade pra pensar nisso, ainda, mas com certeza é um pensamento que outros cambojanos com um pouco mais de educação devem ter.

Mas se o Camboja não está mais no seu apogeu, também já saiu dos seus piores anos. O progresso chegou. Siem Reap não impressiona só pelos templos. A cidade também possui muitos hotéis internacionais de 5 estrelas, e um centro cheio de bares e restaurantes agradáveis. Claro, essa região é para os turistas e os preços são todos em dólar (alias, só se usa dólar em Siem Reap. Trocamos uns poucos dólares no aeroporto e tivemos dificuldade em conseguir gastar tudo), e bem mais caros que nos lugares “locais”, mas ainda com preços baratos para padrões internacionais. Jantamos em um restaurante simpático, comemos sorvete numa sorveteria/padaria que tinha até internet wireless! Não imaginava nada disso no Camboja. A lembrança que me deu é daqueles filmes de época, onde europeus e americanos iam para o oriente médio ou norte da África e tinham um tratamento de primeira classe. Nunca me imaginei naquela situação. Tendo-se dinheiro, talvez isso seja possível em qualquer lugar, mas nas nossas viagens estilo Lonely Planet, nunca tínhamos tido a experiência. :)

quarta-feira, março 04, 2009

Dessa vez, não era uma pedra.

Hoje, quando ia para o laboratório, logo após sair da estação próxima de casa, o trem parou. Não foi uma parada brusca, foi parando suave, até que parou completamente, no meio do caminho até a estação seguinte. Não fazia nem um minuto que tinhamos partido, e nem um minuto depois de pararmos, o aviso foi feito no sistema de som: “este trem parou por um acidente com atropelamento”. Tive a mais triste das “experiências típicas” do Japão: fui testemunha de um suicídio nos trilhos do trem.

Por incrível que pareça, isso é comum. Seguido, nos trens que circulam dentro de Tóquio, podem ser vistos avisos de que os trens estão atrasados por motivos de “acidentes nos trilhos”, mas nunca havia acontecido de ser justamente no trem em que eu estava. Após o anúncio, alguns passageiros até demonstraram alguma reação, mais de surpresa, quebra de rotina, mas muitos não tiveram reação alguma, continuaram como se fosse o tradicional anúncio de qual é a próxima estação de parada. Entre os que reagiram, a maioria se limitou a pegar o celular para enviar mensagens. E o trem ficou ali parado, por 15 minutos, com as pessoas sentadas esperando. Aos poucos, os passageiros foram telefonando e avisando que chegariam atrasados em seus compromissos devido ao acidente, mas nenhuma pessoa demonstrou curiosidade sobre o ocorrido, tentando ver o que estava acontecendo ou contando mais sobre o acidente no celular. Após os 15 minutos, o funcionário do trem - além do maquinista, os trens costumam ter um outro funcionário no fim do último vagão que é responsável pelos avisos e pela abertura e fechamento das portas - voltou a anunciar sobre o ocorrido, com uma voz bastante nervosa e cometendo erros.

Paramos na próxima estação, pegamos mais alguns passageiros, mas assim que partirmos fomos avisados de que aquele trem sairia de operação na próxima estação, e todos deveriam descer. Lá, todos desembarcamos, a plataforma ficou lotada, e o trem foi movido para um dos trilhos paralelos, onde funcionários observaram a frente do trem (não havia marcas, apenas um pouco de sangue na lateral do pára-choque) e a parte inferior do primeiro vagão.

As pessoas embaracaram no próximo trem continuando para suas estações de destino, onde chegando muitos pegaram o “comprovante de atraso”, um pequeno formulário que as empresas de trem já tem preparados para distribuir sempre que uma linha de trem atrasa mais que alguns minutos. Estes documentos são usados para justificar porque as pessoas não chegaram a tempo em seus compromissos. A pontualidade do japonês depende em grande parte da pontualidade dos trens: existem sites onde, informando-se qualquer estação de origem e de destino dentro do Japão, o sistema calcula toda a rota e horários que devem ser tomados para se chegar ao destino em qualquer horário definido. Na grande maioria dos casos (isto é, quando não há imprevistos) esses sistemas funcionam muito bem e nos fazem poupar muito tempo. Mas quando algo de diferente acontece, a realidade fica inconsistente com os horários pré-determinados por horas, até que os trens consigam recuperar o atraso.

Eu não sei o que leva tantas pessoas no Japão a se suicidarem, mas eu tenho uma teoria. A socieade japonesa não dá muita liberdade ao indivíduo de dar rumo a sua própria vida. O japonês típico tem uma vida confortável, mas, na minha visão, sem graça. Parece que todo japonês leva a mesma vida: nasce, entra na escola, aprende a conviver com os coleguinhas e ser um “bom japonês”, se mata estudando no colégio para entrar na faculdade, vadia durante os 4 anos de faculdade (e às vezes mais dois no mestrado), encontra um emprego de escritório em uma grande empresa japonesa, se casa, tem filhos, se mata trabalhando na mesma empresa até envelhecer, perdendo contato com a própria família, que passa a considerá-lo um estranho quando ele retorna ao convívio doméstico após se aposentar. É como se a sociedade o colocasse numa esteira lá no início da vida, e sem que a pessoa tenha que tomar nenhuma grande decisão, ela vai passando por ele, sem muito controle sobre ela.

Só que essa mesma esteira que provê uma vida fácil e confortável, torna um transtorno a vida de qualquer um que queira ter experiências diferentes. Japoneses não gostam de viver por um tempo no exterior pois tem medo de não conseguir reentrar na sociedade após a volta, não gostam de empreender pois tem medo de não conseguirem retornar aos seus empregos caso o empreendimento não de certo. Não saem da esteira porque é ela a forma “certa” de viver, e qualquer um que o faça é visto com estranheza, como um dissidente que tenta quebrar a harmonia do grupo. Ou, ainda que a pessoa não tenha grandes ambições de fazer e ser diferente, ela simplesmente não sabe como agir quando a vida coloca diante dela uma situação em que, pela primeira vez, ela tenha que decidir por si só como agir. É como os horários dos trens: funcionam perfeitamente até alguma coisa saia dos planos. E essa pressão é o que acredito ser a causa de tanta depressão, um sentimento de que a vida é tão miserável e que não vale a pena ser vivida, que termina levando tantas pessoas a achar como única saída se jogar na frente de um trem, não precisar mais dar satisfação a ninguém.

Coincidentemente, após o “transtorno” causado pelo pobre cidadão, chego no laboratório e encontro esse ensaio do New York Times de um japonês comentando sobre a “crise psicológica” que assola o país, e que em alguns pontos vai ao encontro do que escrevi aqui.

sábado, fevereiro 28, 2009

Onde todos os gatos são siameses

Apesar de não comemorarem o Natal, os japoneses fazem um pequeno recesso na virada de ano, não tão longo quanto no Brasil mas que mesmo assim oportuniza de se viajar um pouco mais longe. Um dos destinos que queríamos conhecer há algum tempo era a Tailândia, mas lendo a respeito do país descobrimos que o melhor clima por lá é no final do ano, então decidimos ainda em outubro por passar o ano novo lá.

Compramos a passagem ainda antes das confusões políticas e tomada do aeroporto, o que nos deixou um pouco apreensivos de que a viagem poderia não sair. Mas nas nossas leituras sobre o país também ficamos sabendo que golpes de estados são até comuns por lá, não envolvem os confrontos armados e confusões que esperamos (principalmente nós, brasileiros) desses eventos. São processos bem mais pacíficos e com bastante apoio popular. Assim imaginamos que as coisas logo se acalmariam.

E assim foi. Algumas semanas antes da data programada a situação se acalmou, permitindo nossa viagem, que acabou acontecendo na véspera de Natal, 24 de dezembro. No Japão, tirando a decoração do comércio, não existe “clima natalino”, então não foi tão estranho passar a noite de Natal dentro do avião, até porque estávamos empolgados com a viagem. Havia poucos ocidentais no nosso vôo, e a única referência natalina, apesar do avião ser da Northwest, empresa americana, era um dos comissários com um gorrinho de Papai Noel, que parecia ser indiano. Ainda com a questão do fuso, não tinhamos nem mesmo hora exata para “celebrar” o Natal.

Chegamos em Bangkok (ou Krung Thep, กรุงเทพฯ, o nome em tailandês) passada a meia-noite, e o ônibus para a região do hotel não operava mais, assim tivemos que usar um táxi. Já sabíamos onde ir para pegar os taxis normais, e o esquema de se pedir o destino em um guichê que escrevia o endereço no alfabeto local para os taxistas, que raramente falam inglês, mas mesmo assim a comunicação foi difícil, pois não entendiamos nada que o motorista falava. Mas deu tudo certo, chegamos no hotel sãos e salvos.

Bangkok é a típica cidade grande de país em desenvolvimento: segundo meu amigo Rômulo, lembra o Rio de Janeiro. Não sei, o que posso dizer é que é bastante poluída, barulhenta e com muito tráfego. O que mais chama a atenção é a grande quantidade de templos budistas (religião oficial da Tailândia). É como uma versão budista das cidades da Bahia, com as igrejas dando lugar aos templos. Mas se engana quem acha que budismo é tudo igual: os templos da Tailândia não tem nada a ver com os do Japão. A arquitetura, os temas, visual, todos muito diferentes. Muitas stupas, muito dourado, muito brilho. Parece um budismo “barroco”, completamente oposto ao budismo Zen, minimalista, do Japão.

As pessoas na Tailândia são muito religiosas. Em frente de várias lojas se encontram pequenos altares com velas e oferendas. Na Tailândia, existe uma Fanta sabor Morango que eu achei muito boa. E seguido via as garrafinhas dessa Fanta, até com o canudinho, nos altares. Eu brincava que ia ali tomar a Fanta dando sopa e já voltava, mas não cheguei a fazer isso de fato (as Fantas não estavam geladas, hehe).

Outra parte da “crença incondicional” dos tailandeses é relativa ao Rei. Ele é absurdamente popular. Milhares de fotos dele e da Rainha podem ser vistas em Bangkok, em prédios públicos, cartazes, postes, em qualquer lugar por onde as pessoas passem. O desrespeito ao Rei é crime, e isso teria sido, dizem, um dos motivos dos golpes de 2006 e 2008, onde os primeiros ministros estariam tentando ganhar mais poder e diminuir a importância do Rei. A cor oficial do Rei é a amarela, que colore muitos dos monumentos na Tailândia, e camisas amarelas são bastante populares como forma de homenagem a ele. É por isso que os ocupantes do aeroporto em dezembro passado usavam camisetas dessa cor.

Não sei o motivo de tanta popularidade do Rei, afinal, ele faz parte do poder, o que deveria automaticamente gerar certa desconfiança. Uma possível explicação é que a Tailândia é o único país do sudeste asiático a nunca ter sido dominado por uma nação européia. Talvez isso dê um senso de orgulho nacional e veneração aos seus governantes. O que sei é que, por essa veneração sem questionamento, visitar o Museu Nacional de Bangkok é bastante frustrante, pra quem tem interesse em história. O que se aprende são apenas os lados positivos de cada rei, e parece que ninguém mais além deles fez nada de importante pelo desenvolvimento da nação. Não se ouve sobre as intrigas, disputas de poder etc, que a gente sabe que caracterizam a história de tantos países e não teria porque na Tailândia ser diferente.

Uma coisa que cansa em Bangkok é a constante “tiração de vantagem” em cima do turista. O que agrava o problema é que na Tailândia existe uma cultura de que perder a paciência é errado, e quem o faz automaticamente “perde” uma discussão ou disputa. Só que essa regra deve ter sido criada para os tailandeses, que provavelmente se comportam bem melhor entre seus conterrâneos. Após algumas tentativas desistimos de pegar taxis em Bangkok, pois nenhum motorista aceitava fazer a corrida pelo taxímetro. Em vez de ficarmos discutindo, desistimos e compramos um mapa das linhas de ônibus. Assim, economizamos em dinheiro e estresse.

Além de Bangkok, viajamos para as ilhas Phi Phi (หมู่เกาะพีพี), ao sul da Tailândia, onde passamos a virada de ano. Conhecia o nome por ser o mesmo de um restaurante tailandês de Porto Alegre, mas a fama das ilhas vem de ter sido cenário do filme “A Praia” e pela destruição causada pela tsunami de 2004.

Culturalmente, Phi Phi tem muito pouco de Tailândia. Mesmo os tailandeses que estão lá, em geral estão a trabalho, e todos falam inglês, idioma “oficial” da ilha. Mal se vê as placas no alfabeto tailandês que complicam tanto a leitura em Bangkok. Os europeus branquelas (e alguns brasileiros também) refletem à luz do sol sobre a areia. Muitos brasileiros, aliás. Nunca havia visto tantos em nossas viagens pela Ásia. O turismo é “turbinado”, nada de “retiro paradisíaco” que se possa esperar. O desenvolvimento da ilha, mesmo após a tsunami e reconstrução, se dá de forma desenfreada, e no pequeno espaço da ilha existe tudo que o turista pode precisar (e até o que não precisa).

O ambiente na ilha lembra muito Santa Catarina. As praias, também, tirando os destaques, não são muito diferentes das praias mais bonitas do Brasil. O que muda bastante é na qualidade de serviço (melhor), na segurança, mas também nos preços (mais caros que em Bangkok, mas talvez ainda mais baratos que no Brasil). A viagem foi ótima, descansamos, recarregamos as energias para a vida em Tokyo e fugimos do frio por alguns dias, mas fiquei bastante curioso sobre o que faz tantos brasileiros gastarem tanto, viajarem meio mundo, para ter experiências de praia tão parecidas com as do Brasil.

Ah, e uma curiosidade: Sião é o antigo nome de Tailândia, e todos os gatos de rua que vimos em Bangkok eram de fato de raça siamesa! (Diferentemente desse aí de cima, que é apenas um “gato escaldado” que “tem medo de tsunami”.)

sexta-feira, fevereiro 20, 2009

Primeira vez no Japão

O Artur cresceu comigo em Porto Alegre e recentemente esteve em Tokyo. Ele escreveu no blog dele as impressões que teve daqui. Depois de quase 3 anos no Japão, acabo esquecendo o que senti quando vim pela primeira vez pra cá, sem nenhuma relação ou interesse especial por esse país. As impressões do Artur lembram bastante o que senti, e pela forma clara e interessante em que se expressa, recomendo.

segunda-feira, janeiro 19, 2009

Made in Taiwan

Na verdade, não, é um post japonês, mas sobre a viagem pra Taiwan (台灣) que fiz há cerca de um mês e fiquei devendo. Espero que ainda não tenha esquecido muitas das impressões e consiga passar um pouco do que senti por lá.

Estive na capital, Taipei (台北), por 4 dias, participando de uma conferência pequena. Foi suficiente para ter uma primeira impressão e levantar algumas comparações com a China continental, que queria fazer desde que estivemos por lá em 2007. Minha principal curiosidade era tentar identificar se haviam diferenças significativas na forma de se comportar do povo chinês e taiwanês, e se isso era resultado do desenvolvimento sob as duas formas diferentes de governo. Que existiriam diferenças era óbvio: mesmo na China se vê muito contraste de região para região. Mas mesmo assim existe um “espírito chinês” que permeia toda a China, que eu queria procurar em Taiwan.

Pra começar a se entender Taiwan é preciso saber pelo menos o básico sobre sua história. Desde tempos remotos a ilha já era ocupada por povos nativos, e quando os exploradores europeus avistaram a ilha não tiveram interesse em colonizá-la. Os portugueses a chamaram de “Ilha Formosa”, um dos nomes usados até hoje. A China Imperial também não fez muita questão de assumir o território, sendo os japoneses quem fizeram a primeira ocupação moderna da ilha, no final do século XIX. Na época, o Japão estava na sua fase expansionista, em busca de novos territórios na Ásia e recursos naturais. Não surprende o Japão ter se interessado em Taiwan que, mesmo não sendo tão rica em recursos, tinha um ambiente muito parecido com o Japão (ilha montanhosa, cheia de florestas e rios de águas cristalinas) e, claro, fica no meio do caminho para o sudeste asiático. Os japoneses aproveitaram o que puderam de Taiwan. Muitas das florestas da ilha foram derrubadas para se usar sua madeira na construção de templos no Japão. Até mesmo o famoso e enorme torii (鳥居) do Santuário Meiji (明治神宮) em Tokyo, foi construído com essa madeira. Mas os japoneses também tiveram muita importância no desenvolvimento do território, trazendo sua tecnologia e industrialização para a construção de infra-estrutura e rede de ensino.

Com o fim da 2ª guerra, em 1945, Taiwan foi devolvida à China, agora não mais Império mas dominada pelos burgueses e intelectuais, que destronaram “o último imperador” e estabeleceram a República. Alguns anos depois, em 49, vem a revolução comunista, e Mao e companhia, cansados das injustiças dos republicanos, os colocam pra correr. Deixando a China continental às pressas, eles se instalam em Taiwan, levando consigo, é claro, todos os tesouros históricos da China, que hoje estão em exibição no enorme Museu Nacional do Palácio, em Taipei.

E é por isso que o governo de Taiwan, que descende desses políticos que fugiram da China, se considera o verdadeiro governo chinês, no exílio, e oficialmente chama Taiwan de República da China, em contraste com a República Popular da China estabelecida pelos comunistas na China continental. Seu plano final seria retomar o poder no continente, no dia que o regime comunista terminar. E é por isso que a China, por outro lado, não considera Taiwan como um país independente, apenas como uma “província rebelde”.

Entendendo isso logo se vê que tentar justificar as diferenças entre chineses e taiwaneses somente pelo sistema político é simplificar demais. Primeiro, porque muito da cultura, hábitos e forma de vida dos habitantes da ilha foi fortemente influenciada pela longa ocupação japonesa. Segundo, porque os chineses que tomaram a ilha não eram da classe camponesa, mas sim a elite cultural da República da China. E observando as pessoas, isso é evidente.

Andando pelas ruas de Taipei, em nenhum momento lembrei das ruas de Pequim (北京) ou Shanghai (上海), cidades de mesmo porte na China. E não me refiro só em termos de edificações, mas principalmente das pessoas. A forma de se comportar, vestir, me fazia pensar estar no Japão, e tinha que me controlar para não tentar falar com as pessoas em japonês. As pessoas pareciam mais controladas, introspectivas, preocupadas com a aparência, como é comum no Japão. Me senti seguro, em nenhum momento desconfiado, diferente de como me senti na China continental. E, claro, a influência japonesa se completa na grande quantidade de empresas japonesas operando na ilha, o que faz com que às vezes se esqueça de que não se está no Japão.

Passeei por Taipei, visitei o Taipei 101 - maior prédio do mundo em operação, não só construído mas também projetado em Taiwan, o que demonstra seu desenvolvimento humano -, e o Museu Nacional do Palácio, usei o metrô limpo, bonito e eficiente da cidade. Até peguei o trem bala que, em cerca de 1 hora e meia, praticamente atravessa de norte a sul a ilha e leva até o Lago Lótus, lugar turístico onde diversos templos criam um cenário bastante exótico (pra mim) e bonito. Depois de tudo isso, já tinha sentido que Taiwan era muito diferente da China. Mas ainda restava uma dúvida: Taiwan é um país, afinal? Sabia as respostas oficiais, tanto da China quanto do governo taiwanes, mas o que pensavam os taiwaneses?

Por sorte, dividi a mesa do jantar da conferência com os alunos que estavam trabalhando na conferência, e por terem praticamente a minha idade e mesmo background (estudantes), o clima ficou logo amigável e descontraído. Falamos sobre universidades, pesquisa, países, e finalmente lancei a pergunta: “voces consideram Taiwan um país?” A primeira resposta foi a oficial, histórica, de que Taiwan era o governo da República da China no exílio etc, então reformulei a pergunta: “sim, mas para voces, pessoalmente, a impressão é de que Taiwan é um país? Voces se sentem chineses?” e os rostos passaram a demonstrar mais dúvida e certa discordância. A impressão geral que tive é que a resposta não é unânime, mas que o pessoal mais novo, e que portanto não cresceu na esperança de que um dia voltariam a ser chineses, se sentem antes de tudo taiwaneses, mesmo que não neguem sua origem chinesa. E tentando me colocar no lugar deles, imaginei que seja parecido com brasileiros que, descendendo de europeus, como eu, sabem suas origens e dão o devido valor a elas, mas não conseguem se ver como europeus, antes de brasileiros.

Taiwan tem todas as obras e infraestrutura de país desenvolvido, mas isso não é a única coisa que indica o desenvolvimento de um país. Também é preciso se considerar o desenvolvimento de seu povo, e isso não é indicado só por um número. A impressão que tive do povo taiwanês foi das melhores: um povo educado, ensinado e que, cada vez mais, tem noção de seu papel no seu país e no mundo.