sexta-feira, dezembro 19, 2008

Dobraduras do George Soros

Acabei de voltar de Taiwan (台湾), estive lá por 4 dias e achei o país bem agradável, mas deixo pra escrever minhas impressões em um próximo post. O que eu vou contar hoje é uma situação que presenciei no trem de Tokyo até o aeroporto de Narita, uma história do cotidiano mas que ilustra algumas características do povo japonês.

O aeroporto de Narita (成田空港) fica a cerca de uma hora de trem ao leste de Tokyo. Tem mais de uma linha que vai pra lá. Em geral, costumo pegar a mais barata, que pra mim oferece o melhor custo benefício. É uma linha comum, logo, tem muitos passageiros que não estão indo para o aeroporto, mas apenas indo para o leste de Tokyo para visitar alguém, voltar pra casa etc. Indo para Taiwan, peguei o trem na estação inicial. Em seguida sentou na minha frente uma senhora já de idade avançada. Fiquei observando ela, achei seu rosto familiar mas não conseguia associar a ninguém conhecido.

Depois de alguns minutos, notei que ela estava fazendo origami (折り紙, lit. dobradura de papel). Não reconheci na hora qual a figura que ela estava fazendo, o que reparei é que não era um origami “amador”, simples. Inclusive ela utilizava papel especial para origami (um lado vermelho, o outro prateado). Continuei observando a senhora e suas dobraduras e vi que ela tinha bastante destreza, além, claro, de boa memória para lembrar toda a seqüência de passos.

Achei aquilo interessante. É um ótimo passatempo para as viagens de trem, pensei, muito melhor do que os videogames que os jovens costumam utilizar. Também, deve ser uma boa forma de exercitar a mente e evitar o Alzheimer, já que exige bastante concentração e memória para lembrar de todos os passos da dobradura. Imagino que seja tão eficiente quanto fazer palavras cruzadas, com o benefício de ainda exercitar a coordenação motora.

“Ah, claro!”, pensei, ao me dar conta de quem ela parecia. Ela era a cara do George Soros! Não acho que seja uma ofensa, porque é o George Soros que tem cara de velhinha! Continuei a observando e vi que ela fazia uma figura atrás da outra, sem parar. Em poucos minutos ela fez umas 3 ou 4. As folhas de papel tinham uns 20x20 cm, e cada figura ficava do tamanho de uma xícara de cafézinho. Ao terminar cada uma, ela as colocava de volta na bolsa e puxava outra folhina para começar a próxima. As folhas já estavam dobradas ao meio, o primeiro passo comum de todas as figuras que ela montava. Imagino que ela, em casa, já antecipasse esse passo para agilizar o processo no trem.

Mais tarde, outra senhora, sentada do lado da “origamista”, fez algum comentário sobre as dobraduras, e as duas começaram uma interessante conversa espontânea que raramente se vê nos trens do Japão, exceto eventualmente por idosos como elas. Falaram da vida, dos origamis, da família, da idade etc. A senhora das dobraduras contou que tinha 80 anos, ao que a outra respondeu, meio que sussurrando “Eu tenho 83...”. “Ah, então é minha irmã mais velha”, a primeira respondeu, e as duas começaram a rir. A “irmã mais nova” comentou que gostava de fazer dobraduras nas viagens de trem para matar o tempo, e que era bom exercício pra memória e para as mãos. Comentou que sabia fazer vários tipos, “todos completamente diferentes” disse ela com certo orgulho. Abriu a bolsa e começou a mostrar as figuras que já havia feito, as oferecendo todas para a “irmã mais velha” que, como todo japonês, as aceitou, claro. Fiquei imaginando como deveria ser a casa da “irmã mais nova”, cheia de origamis. Pelo menos, parecia, ela não era muito apegada as suas “obras” e facilmente as dava a estranhos. Alguns minutos antes, tinha visto, ela havia oferecido outras dobraduras a uma outra senhora que também a elogiou.

A irmã mais velha guardou as 6 dobraduras que havia ganhado, “todas completamente diferentes”, e ficou mexendo na sacola, como que acomodando as coisas ou procurando algo. Aí eu logo previ: “ela vai dar alguma coisa em troca para a outra”. Isso é quase “lei” no Japão, ainda mais considerando gente daquela geração. E, tiro e queda, ela puxa uma caixinha de biscoitos e a oferece para a senhora dos origamis, em retribuição pelas dobraduras.

É engraçado que até a língua japonesa reflete um pouco essa retribuição material por qualquer ação que recebemos de outras pessoas. Em japonês, o verbo para dar, presentear algo, a mim (ou alguém do meu grupo, família) é kureru (呉れる). E se alguém faz alguma coisa para mim ou meu grupo, o mesmo verbo é usado. Então, de certa forma, quando um japonês recebe uma ação, um favor ou gentileza de alguém, ele se sente obrigado a retribuí-lo como o faria se tivesse recebido algo material.

A história acaba chegando na estação da cidade de Narita (成田, uma antes do aeroporto), onde as duas “irmãs” desembarcaram. Mas gostei de presenciá-la pois ela ilustra estes pequenos aspectos da cultura japonesa e estas regras não escritas. Primeiro, tem a questão dos idosos, indo a qualquer lugar, continuando seus hábitos para manter uma vida ativa. Segundo, tem a questão da (rara) interação entre estranhos, um pouco mais comum entre pessoas daquela geração. E finalmente, a obrigatória retribuição, de ter que responder a toda e qualquer gentileza recebida.

quarta-feira, novembro 26, 2008

Udon, comida para a alma

O meu prato preferido da culinária japonesa é o udon (うどん), um macarrão grosso servido num caldo coberto com algum acompanhamento. Na primeira vez que vim para o Japão, quando tive o choque inicial com a alimentação, já que todo dia tinha que comer no refeitório da empresa onde fiz o estágio, foi o udon que agradou meu gosto e recuperou a minha tranqüilidade. Nessa época, comia udon quase todo dia.

O meu preferido é o ebiten udon (海老天うどん), onde o que vem em cima é um tempura de camarão. Outro que gosto é o niku udon (肉うどん), o mesmo udon coberto com fatias finas de carne cozida, às vezes de gado, às vezes de porco. “Preparar” um udon no Japão é fácil, já que o supermercado vende todos os ingredientes pré-prontos. Além do macarrão, que é só colocar na água fervente por 3 minutos, eles vendem os tempuras já fritos, o caldo etc. Na verdade a única coisa que se tem que fazer é colocar tudo no prato. Aqui está o meu ebiten udon:

A única diferença do meu pro udon verdadeiro é que em vez de cebolinha, eu coloco nori, a mesma alga usada no sushi. Pra quem quiser ver udons de verdade, pode olhar as fotos dessa página. Além de gostoso, o udon é muito barato, tendo cadeias de restaurantes que vendem o udon básico (sem os acompanhamentos) a partir de 100 ienes (cerca de 2 reais!).

No Japão, o lugar famoso para se comer udon é a província de Kagawa (香川県), na ilha de Shikoku (四国). Estivemos lá esse ano e obviamente provamos os udons locais. Honestamente, são bons, mas não tão diferentes dos que encontramos aqui em Tokyo. De repente não temos o gosto tão requintado para notar a diferença. O melhor udon que eu já comi foi no inverno passado, em uma estação da mesma linha que passa aqui perto de casa. De repente volto lá esse ano.

Em 2006 saiu um filme chamado UDON e rodado em Kagawa, onde o prato, considerado “comida para a alma”, é o pano de fundo pra história da relação de um pai, fazedor de udon e seu filho, que não tem planos de continuar o negócio do pai. O filme é bom e tem lances engraçados, mas o mais legal são as diversas cenas do preparo e consumo de muitos tipos de udons.

Mas o ebi udon que um dia eu quero fazer é esse. :)

quinta-feira, outubro 16, 2008

A escrita japonesa

Uma das coisas que mais apavora os ocidentais que vem pra Ásia é a questão da escrita: “Mas e se eu não conseguir entender as placas?!”, “Por que eles não usam letras como todo mundo “civilizado”?!”. Hoje vou escrever um pouco sobre como é a escrita em japonês, como ela se relaciona com o chinês, e ainda alguns comentários, coisas que não são explicitamente ensinadas nas aulas de japonês (pelo menos não nos níveis básicos) mas observei durante meus mais de dois anos aqui. Notem que eu não sei japonês o suficiente pra garantir que o que escrevo aqui está certo, e peço aos amigos que sabem mais que me corrijam nos comentários. Ah, e importante! Para ler esse post é necessário ter instaladas as fontes asiáticas. No Windows elas são uma opção de instalação, no Mac elas vem instaladas por padrão.

A primeira coisa que deve ser levada em consideração é que o japonês é escrito em 3 alfabetos distintos (4 considerando o uso de caracteres ocidentais, que vou ignorar aqui):

  • Kanji (漢字) são os ideogramas de origem chinesa, que podem ter várias formas diferentes de leituras e representam (de forma geral, mas nem sempre) idéias. Os ideogramas japoneses não são exatamente os mesmos usados na China, mas quase todos tem origem chinesa. Alguns ideogramas japoneses são iguais aos ideogramas tradicionais chineses, outros são iguais aos ideogramas simplificados, e alguns (a minoria) são tipicamente japoneses.
  • Hiragana (ひらがな), é um alfabeto fonético (cada símbolo tem apenas uma leitura, que não expressa significado) e é utilizado principalmente para partículas, terminações e flexões verbais. Visualmente é fácil indentificá-los pela sua forma simples (se comparado aos kanji) e linhas curvas.
  • Katakana (カタカナ) é outro alfabeto fonético, usado para palavras estrangeiras e onomatopéias (como o som de animais, etc). Também é composto de caracteres simples, mas tem traços mais grosseiros. Katakana também é usado como recurso tipográfico para dar ênfase, como o uso de negrito em textos ocidentais.

Um exemplo de parágrafo em japonês pode ser visto abaixo. Para quem sabe japonês, é óbvio identificar cada alfabeto, mas aqui uso cores diferentes pra auxiliar na identificação de cada um (kanji em preto, hiragana em azul e katakana em verde):

ホンダ16日、ミニバンオデッセイ全面改良、17日発売すると発表したエンジン改良によって馬力めながら燃費性能向上したオデッセイはこれが4代目。30―40代中心国内月4000台販売目指

O texto é sobre o lançamento de uma nova minivan (ミニバン) chamada Odyssey (オデッセイ). Não consigo ler tudo, pois tem vários kanjis que não sei a leitura. Mas uma coisa legal dos ideogramas é que mesmo sem saber a leitura dá pra saber o significado. Por exemplo, a palavra 馬力 é formada pelos ideogramas de “cavalo” (馬) e “força” (力), logo, “cavalos de força”.

Quem for mais atento vai notar que não tem espaço entre as palavras. A quebra não é explícita, ela acontece quando se muda de alfabeto (por exemplo, com uma partícula), mas nem sempre (quando é apenas uma flexão verbal), ou quando os ideogramas combinados representam mais de uma palavra distinta. Pros japoneses isso não é uma questão tão importante, pois eles não estão acostumados com a idéia de palavras separadas. Mas para computadores tentando indexar textos por palavras, isso é uma questão a ser considerada.

Muita gente se assusta com a quantidade de kanjis: crianças em idade escolar devem saber 1006 ideogramas básicos antes da sexta série, e cerca de 2000 são necessários pra se ler um jornal. Mas o número total para uma pessoa culta pode chegar a 10 mil. O que as pessoas em geral não sabem é que esses milhares de ideogramas não são independentes, sendo a maioria combinações de outros kanjis e radicais. Por exemplo:

O ideograma com o sentido de “mulher” é 女. E o ideograma com sentido de “criança” é 子. Já o ideograma usado para “gostar” é 好. Faz sentido. Ou ainda, o kanji para “estudo” é 学, que também inclui o de “criança” (imagine uma fumacinha saindo da cabeça da criança de tanto estudar).

Outro exemplo: o ideograma para “árvore” é 木. O caractere de “bosque” é 林 e o de “floresta”, 森.

Partindo dos kanjis individuais se formam as palavras. “Universidade” é 大学, os ideogramas de “grande” e “estudo”. Logo, mesmo sem se saber a leitura dá pra adivinhar o significado, considerando que 小学, “pequeno estudo”, é escola básica e 中学, “médio estudo”, é escola secundária. Um dia, logo após sair de uma aula onde aprendi sobre o kanji 量 (quantidade), vi no trem um guri lendo um livro escrito 量子 na capa. Hmm, sabia que 分子, o kanji de “parte” combinado com o de “criança”, significava “molécula”. Supus que o livro fosse sobre Física Quântica. Procurei no dicionário, e era isso mesmo! É assim que a gente vai aprendendo.

Até agora evitei falar nas leituras, porque essa é uma das partes mais chatas de aprender os ideogramas. O fato é que quando os kanjis foram trazidos da China, o Japão já tinha sua língua própria que não tinha praticamente nada a ver com o chinês, e por isso os kanjis não eram por si só apropriados pra se escrever qualquer coisa em japonês. Inicialmente, o que se fazia era escrever tudo em chinês mesmo. Os únicos “letrados” eram pessoas que já sabiam chinês, e faziam a tradução “em tempo real” ao ler e escrever. Era como se eu escutasse, em português, alguém dizer “Olá, qual é seu nome?” e escrevesse no papel “Hello, what’s your name?” e quando me pedissem para ler o que estava escrito eu dissesse “Olá, qual é seu nome?”. Com a diferença que o chinês e o japonês são línguas muito mais diferentes que o inglês do português.

Para adaptar o kanji ao japonês, o que se fez primeiro foi associar os sentidos às palavras já existentes em japonês. Por exemplo, a palavra “pedra” é “ishi” em japonês. Em chinês, havia um ideograma para pedra, que virou o ideograma para pedra também em japonês: 石. À palavra “óleo”, “abura” em japonês, foi atribuído o caractere chinês 油 de mesmo sentido. Ao ver os caracteres isolados, os japoneses irão lê-los como “ishi” e “abura”. Mas quando os ideogramas são combinados, geralmente são usadas leituras mais parecidas com a do chinês original. A palavra 石油 é lida “sekiyu”, e significa “petróleo”, como na palavra de origem latina.

O interessante é que se pensarmos o papel do chinês na língua japonesa, ele é parecido com o do grego na nossa língua. Se vemos uma palavra como “democracia”, sabemos que é o “governo” (kratos) pelo “povo” (demos). Sabemos que muitas das palavras com “demo” se referem ao “povo” (“demográfico” etc), mesmo que “demo” sozinho nunca usemos com esse sentido. “Petróleo”, em japonês vem do chinês assim como “democracia” para nós, vem do grego.

Em alguns casos, idéias diferentes mas relacionadas foram associadas ao mesmo ideograma. Por exemplo, 月 é o ideograma para lua (tsuki) e também para mês (getsu). A palavra segunda-feira é 月曜日 (getsu-youbi), similar ao inglês Mo(o)nday. E domingo é 日曜日 (nichi-youbi), que como no inglês é o dia do Sol (Sunday), mas aqui o primeiro ideograma é lido nichi e o último bi (variação de hi). O mesmo ideograma de “Sol”, lido como ni, é usado na palavra Nihon (日本), o nome do país que literalmente significa a “origem do Sol”.

Mas de volta à leitura. Os intelectuais que sabiam chinês escreviam em ideogramas. As mulheres, que não tinham acesso à mesma educação, começaram a simplificar alguns ideogramas e usar esse alfabeto simplificado foneticamente, o que resultou no hiragana. Dizem que as curvas do hiragana são reflexo dessa origem feminina, uma forma mais suave de escrita (literalmente, hiragana significa “alfabeto suave”).1

Com a reforma da escrita japonesa e a aproximação da escrita à língua falada (ao invés de simplesmente escrever tudo em chinês) o hiragana ganhou importância representando as sutilezas da língua que o kanji simplesmente não conseguia representar, como flexões verbais. Por exemplo, o verbo “entender”, é wakaru no presente, e wakatta no passado. São escritos em japonês como 分かる e 分かった, onde o primeiro caractere é o ideograma de “entender” e o restante é a flexão karu ou katta em hiragana. Agora, porque o ideograma de “entender” é o mesmo de “parte”, eu não entendo. :)

Não satisfeitos com dois alfabetos, os japoneses resolveram simplificar ainda mais o hiragana criando o katakana. Outra forma fonética de escrita, é um alfabeto onde os caracteres são bastante parecidos com os do hiragana, mas tem os traços mais grosseiros. Por exemplo, compare a expressão kana em hiragana e katakana: かな e カナ (ou ainda, em kanji: 仮名). Os caracteres com o som de ka (か em hiragana, カ em katakana) descendem do ideograma 加, enquanto os caracteres com o som de na (な em hiragana, ナ em katakana) descendem do ideograma 奈.

Por fim, quero fazer um comentário rápido sobre a “moda” no ocidente de se escreverem nomes em japonês. Primeiro, nomes ocidentais são sempre escritos em katakana, que é apenas uma forma fonética de se escrever o nome2. Tem gente que aparece com um monte de ideogramas tatuados no corpo e diz que aquilo é seu nome em japonês. Não é. O único caso em que um estrangeiro recebe um nome em kanji é se ele se naturaliza japonês, o que é bastante raro. Nesse caso, ele deve escolher um nome em ideogramas para usar em seus documentos oficiais. Um exemplo é o jogador de futebol brasileiro Alessandro Santos, naturalizado japonês que utiliza o nome 三都主. O nome pode ser lido como santosu, mas não tem significado real (seria algo como o “chefe das 3 capitais”). Outra forma de escolha dos ideogramas é pelo significado, por exemplo, considerando o significado da palavra “santo”, ele poderia ter escolhido o ideograma 聖人, que significa “santo” mas é lido seijin, se bem que nesse caso um nome assim não cairia bem considerando a humildade tão valorizada no Japão.

1 O romance mais tradicional do Japão, “A lenda de Genji”, que celebra 1000 anos este ano e é considerado o mais antigo do mundo, foi escrito por uma mulher exclusivamente em hiragana.
2 Diferente do chinês, que não usa alfabetos fonéticos e portanto também usa ideogramas para palavras estrangeiras. McDonald’s no Japão é マクドナルド, na China, 麦当劳. Uma guria chinesa me contou que muitos chineses acham que a Pepsi Cola é chinesa por causa disso. Se bem que muitos gaúchos já acharam que “a Pepsi é gaúcha”. ;)

terça-feira, setembro 16, 2008

Janta do dia-a-dia

Don (丼) significa tigela de arroz. Com certeza é um dos pratos típicos da culinária japonesa, tem até um kanji próprio só pra ele. Existem vários tipos de don, dependendo do acompanhamento que vem sobre o arroz.

Um dos meus preferidos é o maguro don (まぐろ丼) onde o acompanhamento é sashimi de atum. Gosto porque é praticamente um sushi gigante, mas tem mais “sustância" e é absurdamente fácil de fazer. Num potinho se mistura shoyu com wasabi, e se despeja essa mistura por cima. Essa foi minha janta de hoje:

quarta-feira, setembro 10, 2008

Passeando pela vizinhança...

Esqueci de contar...

Quando estava em Boston, o Google iniciou o serviço StreetView em Tokyo. Pra quem não conheçe, é uma recurso do Google Maps que permite se “passear” pelas ruas, vendo fotos em 360 graus capturadas no local. Aí embaixo está meu prédio. Pela neve na rua, eu acho que as fotos foram tiradas no final de janeiro (pouco depois desse post), logo antes de eu ir ao Brasil. Arrastando o mouse sobre a foto é possível olhar nas outras direções, e clicando nas setas sobre a rua é possível “mover-se” para a direção da seta.


View Larger Map

Ah, e pra quem não respondeu, a pesquisa ainda está aberta.

segunda-feira, setembro 08, 2008

O ovo do Godzilla

Aqui no Japão é muito comum presentear produtos “consumíveis”, principalmente quando se visita alguém. No início achava esse hábito meio estranho: quando a gente dá um presente, espera que a pessoa o guarde, se lembrando da gente, não? Mas aqui, principalmente pela questão de espaço, é muito comum se dar comidas, frutas, até produtos do dia a dia, como presente. Existe até uma época do ano em que os supermercados preparam caixas cheias de produtos comuns, como óleo, sabão em pó, macarrão, etc, para se presentear. É como aquelas cestas de produtos importados que se vende no Brasil, com a diferença que os produtos são os mais ordinários!

Tem uma conseqüência muito boa desse hábito: se a gente ganha um produto bom, consome com prazer, lembrando da pessoa. Se é um produto que não agrada, a gente acha alguém e passa adiante! E na próxima vez que a pessoa vem visitar, tudo bem, o produto já foi consumido (seja pela gente ou por terceiros), não se espera que o produto ainda exista. Não precisa se dar explicação.

Frutas já são naturalmente produtos caros no Japão, mesmo no supermercado, e além disso existem “fruteiras de luxo” que comercializam as frutas mais perfeitas imagináveis, presentes bastante populares. Essas lojas, em geral, ficam em lugares chiques, com aluguéis que só podem ser pagos com os salgados preços das frutas que elas vendem. Esses dias passando em frente a uma dessas lojas, tirei as seguintes fotos de melancias.

A primeira foto mostra a famosa “melancia quadrada” japonesa. Ela é criada dentro de um recibiente de vidro, que dá forma a melancia, quebrado quando a fruta está pronta pra ser comercializada. O preço dessa melancia é 13 000 ienes, cerca de 210 reais. Na foto tem também a novidade, a melancia piramidal, além de outros tipos, como a melancia amarela, e demais frutas.

A segunda mostra outra novidade: Gojira no tamago (ゴジラのたまご). Gojira é “Godzilla” e tamago, “ovo”. Portanto, “ovo do Godzilla”. Sim, é a mesma melancia que no Brasil custa uns 5 reais. Só que aqui, por ser o “ovo do Godzilla” ela sai pelo precinho camarada de 13500 ienes (220 reais).

terça-feira, agosto 26, 2008

STeLA Forum 2008

Ok, continuando o assunto do post anterior... Fui a Boston (na verdade, Cambridge) no início do mês pra participar do segundo fórum de uma organização chamada STeLA (Science & Technology Leadership Association). Provavelmente ninguém aqui ouviu falar dessa organização. Ela está recém no seu terceiro ano e foi fundada nos EUA por um grupo de japoneses que estudava por lá. O primeiro fórum foi no ano passado aqui em Tokyo, mas desse eu não participei. Só fiquei sabendo sobre o segundo fórum esse ano, e lendo sobre a organização logo me interessei em participar.

O objetivo “oficial” da STeLA é desenvolver lideranças nas áreas de ciência e tecnologia (C&T). A minha interpretação mais prática dessa idéia meio abstrata é que a STeLA tenta criar um grupo de estudantes, de vários países, ligados a C&T capazes de auxiliar nas decisões que afetem as políticas públicas. Chamo o objetivo de “oficial” (com áspas) porque, como a organização é ainda bastante jovem, seus fundamentos não são rígidos e a organização vai se modificar e adaptar de acordo com seus membros.

Existem outras organizações de estudantes que tentam preparar jovens para assumirem papéis de liderança e terem um impacto positivo na sociedade, mas achei o diferencial da STeLA, de focar em C&T, bastante interessante, por considerar dois fatores: (i) ciência e tecnologia são imprescindíveis pra se lidar com os problemas atuais da sociedade; e (ii) existe um distanciamento muito grande entre os cientistas e engenheiros e os políticos. As pessoas da área de C&T tem certo receio de se envolver com política, e políticos raramente tem conhecimento suficiente em C&T para que possam tomar as decisões mais apropriadas levando-as em consideração. Há, inclusive, um certo desdém mútuo entre os dois grupos.

Participaram do fórum cerca de 50 pessoas, sendo um terço de universidades americanas (principalmente MIT e Harvard), outro do Japão (Universidade de Tokyo e Instituto Tecnológico de Tokyo) e ainda na China (Universidade de Pequim e de Tsinghua). O fórum era baseado em três componentes: os workshops sobre liderança, as atividades temáticas e o projeto final em grupo.

Nos workshops sobre liderança, realizamos atividades relacionadas ao modelo de liderança distribuído empregado na Sloan School of Management do MIT. Um ponto interessante é que existe um projeto de pesquisa do MIT, parceiro da STeLA, que investiga as interações dentro de um grupo de negociações. Por esse motivo, durante as atividades, usávamos um sensor pendurado no pescoço, que gravava com quem e como estávamos interagindo. Após as sessões, podíamos observar como tinha sido a interação dentro do grupo e trabalhar para que a comunicação e interação fosse melhorada. Infelizmente nossos sensores não funcionaram muito bem, então o feedback não foi muito útil. Ainda na parte de liderança, tivemos também duas keynote speeches de dois prêmios Nobel em medicina: Phil Sharp (1993) e Susumu Tonegawa (1987). Estas apresentações foram completamente diferentes do que se esperaria de um “prêmio Nobel”: foram muito mais um bate papo informal sobre suas carreiras científicas.

Quanto a parte das sessões temáticas do fórum, o assunto desse ano foram os problemas de saúde pública global (daí a escolha dos keynote speakers). Nessa parte também tivemos apresentações e leituras sobre o assunto, participamos de um painel com professores ligados à área, e fizemos uma visita ao laboratório de pesquisa da Merck em Boston, onde se pesquisam medicamentos contra o câncer e o mal de Alzheimer. Obviamente, essa não é a minha área, nem de muitos dos estudantes que participaram do fórum. Mas a idéia da STeLA é que o tema seja apenas um cenário onde se possam aplicar as habilidades desenvolvidas, além de criar consciência sobre o assunto. E essas habilidades seriam desenvolvidas na terceira parte do fórum, o projeto final.

Para desenvolvermos o projeto fomos divididos em grupos de 5. No meu, além de mim, havia um japonês que estuda química em Princeton, um americano que faz pós em mecânica no MIT, uma coreana que estuda fisiologia na Universidade de Tokyo e uma chinesa que estuda biologia na Universidade de Pequim. Nosso grupo era bastante heterogêneo, e era interessante (e desafiador, às vezes) trabalhar em grupo com pessoas de backgrounds culturais e acadêmicos tão diferentes. Foi interessante ver cada membro assumindo naturalmente papéis diferentes dentro do grupo. Isso era parte dos objetivos do fórum.

O projeto final era a criação de um video de 30 segundos que abordasse um dos problemas de saúde pública discutidos no fórum. Escolhemos fazer nosso vídeo sobre doenças tropicais negligenciadas. Essas doenças atingem cerca de 1 bilhão de pessoas, principalmente em países pobres, e não possuem tratamento adequado, pois como não atingem os países ricos, não são de interesse da indústria farmacêutica. Como a maioria de nós não era da área das ciências biológicas, não tinhamos conhecimento prévio do problema. Nosso vídeo, portanto, não tenta encontrar soluções concretas, mas apenas alertar mais pessoas sobre sua existência, como primeiro passo. Apesar de não termos ganho nenhum dos prêmios do fórum, todos no grupo ficamos com muito orgulho do nosso “filho”:

No final do fórum, começamos a discutir sobre o próximo: se vai acontecer, e onde. Os participantes da China mostraram bastante interesse em hospedar o fórum (o primeiro foi no Japão, e essa edição nos EUA foi a segunda). Apesar de terem certo suporte das universidades, a maior dúvida foi quanto ao pessoal para organizar o evento, já que não sabemos ao certo quantos estudantes estão envolvidos com a STeLA na China. Também, a questão da comunicação pode ser complicada, pois precisaríamos de videoconferência confiável entre o Japão/EUA e a China. Por esses motivos, resolvemos dar mais algumas semanas ao time da China para que verifiquem a disponibilidade de pessoal e de outros recursos e mandem uma proposta. Caso a China não consiga organizar para 2009, o Japão deve hospedar o fórum novamente em 2009 e a China só em 2010. Como estarei envolvido com o final do meu doutorado (assim espero) ano que vem, não devo participar do próximo fórum se ele for na China, mas se for por aqui ainda devo me envolver.

Sobre Boston, em si, o que posso dizer é que a cidade é muito menor do que eu imaginava, em um dia se consegue dar uma boa volta a pé pela cidade. O que é marcante, além das atrações ligadas a história dos EUA e a arquitetura própria, é o grande número de universidades (e conseqüentemente, de gente jovem). O Jeff, americano do meu grupo, perguntou o que mais chamava atenção em Boston, vindo do Japão, e começou a dar risada quando respondi que era a quantidade de asiáticos! Mas é verdade... Ouvi uma estatística de que 60% dos estudantes do MIT são da Ásia, e que MIT na verdade quer dizer “Made In Taiwan”. :)

E sobre o MIT, o que dizer? Bom, muita da tecnologia que a gente usa vem diretamente de lá, muita da história da computação (e da cultura ligada a ela) se passa por lá. Então pra quem é da área, o lugar acaba se tornando meio “mítico”, a gente imagina existir em outro plano. Mas chegando lá, a gente vê que eles tem uma ótima infraestrutura, com certeza pesquisa no estado da arte e grandes recursos humanos, mas é apenas mais uma (ótima) universidade. É bom visitar lugares assim pra nos dar perspectiva. Foi muito legal poder visitar o MIT com os “nativos”, andar livremente pelos prédios, ficar hospedados nos dormitórios, pra desmanchar essa falsa imagem.

Tem gente que não entende porque eu me envolvo nesse tipo de atividade, que a princípio não tem nada a ver com a minha área... Claro, eu tenho minha “área” oficial, mas me interesso por várias coisas, de tudo um pouco. E se é uma oportunidade de conhecer e trabalhar com gente diferente, de ver outras perspectivas, sempre resulta em algo positivo. No fórum, trabalhei com algumas das pessoas mais inteligentes que já conheci. Por mais que me vire bem no inglês, nunca tinha visto como é difícil e cansativo pra mim entrar em discussões mais profundas no idioma, por um período mais prolongado. E observar como a gente se comporta trabalhando com pessoas de culturas tão diferentes não é uma oportunidade que aparece todo dia. Foi muito bom ter passado esses dias por lá, cansativos mas produtivos, e espero que eu (e os outros) ainda possa(m) participar de muitas outras atividades como essa.

quinta-feira, agosto 14, 2008

Uma breve escala no Alaska

Voltei ontem de Boston, em seguida escrevo contando o que fui fazer lá. Mas o curioso foi o acontecido no vôo entre Detroit e Tokyo. Após algumas horas de vôo, o comandante faz um anúncio inesperado: “Pousaremos em cerca de 30 minutos no aeroporto de Anchorage, Alaska, para um reabastecimento. Assim que estivermos no solo volto a entrar em contato com mais detalhes”.

Achei estranho, essa era a sétima vez que cruzo o Pacífico e nunca foi necessário pouso de reabastecimento. Aí lembrei que umas horas antes, durante a “noite”1 vi dois caras acompanhando os comissários em direção a frente do avião. Na hora pensei que alguém (possivelmente um familiar dos dois) tivesse passado mal.

Pousamos, vimos as montanhas cobertas de neve ao redor do aeroporto, que não tinha muito movimento de passageiros mas vários cargueiros vindo da China e Coréia. Assim que a porta do avião abriu, 6 policiais entraram no avião e levaram um sujeito para fora. O comandante, então, fez um novo anúncio. O sujeito, após tomar algumas bebidas, pediu mais, e os comissários, notando o estado já alterado dele, negaram. Ele começou a xingar todo mundo, até o comandante foi falar com ele que, alterado, queria briga a qualquer custo. Os dois que antes tinham ido para a frente do avião eram uns caras grandões, provavelmente foram lá para ajudar a controlar o alterado. Solução do comandante: pousar no Alaska antes de cruzar o Pacífico e mandar prendê-lo.

Agora imagina o quanto se gasta de combustível para se fazer uma decolagem extra de um Boeing 747 lotado. Mais, considera que, como ainda faltava muito da viagem, o avião estava cheio de combustível e não podia pousar, e portanto teve que despejar grande parte do combustível para ficar com o peso compatível. Tudo por causa de um mala que exagerou no trago. Além de ficar preso no Alaska por uns dias, o cara vai ter que pagar uma senhora multa e um ticket de volta. Ah, e a mala dele também veio pra Tokyo. Hehehe.

1 Quando se cruza o Pacífico durante o dia, as empresas aéreas costumam pedir para que todos fechem as janelas do avião a certa altura do vôo e diminuem os serviços de bordo. Isso dá a impressão de que uma noite está passando, e ajuda na regulagem do novo fuso horário.

sexta-feira, maio 23, 2008

Certificado de alienado

Os estrangeiros que moram no Japão precisam se registrar na prefeitura, fornecendo nome, endereço, motivo de permanência no Japão e outros dados burocráticos, e com isso recebem um “documento de identidade” japonês. O documento se chama gaikokujin torokusho (外国人登録書), mas em inglês é comumente chamado de alien registration. Obviamente, pelo trocadilho em inglês, daí saem brincadeiras de como os japoneses vêem os estrangeiros, mas se não somos alienígenas como nosso certificado diz, acabamos sendo ao menos todos um pouco alienados, por questões da língua.

Desde o início desse mês vi diversos cartazes nas estações da linha de trem que uso avisando que no fim de semana passado, dias 17 e 18 de maio, os trens que ligam a estação de Tsutsujigaoka (つつじヶ丘), onde moro, a Chofu (調布) - pro lado contrário de onde costumo ir - não estariam operando. Achei estranho, porque os trens no Japão funcionam sempre e pontualmente, mas achei que se tratava de alguma obra de melhoramento da linha ou do trânsito, até porque os cartazes diziam também que uma das estradas que chegam em Tokyo também estaria parada. E como essa interrupção não me atingiria, pois costumo ir para o outro lado da linha, nem fiz questão de me informar melhor sobre o que estaria acontecendo. Entendi o suficiente: não haveria trem para aqueles lados nesses dias.

O fim de semana chegou e saí de casa, fui para o outro lado da cidade. O fim de semana terminou e não notei nada de diferente. Agora a pouco descobri porque o tráfico foi interrompido:

Pois é, tinha uma bomba da Segunda Guerra enterrada a duas estações aqui de casa, que precisava ser desativada. E eu só fiquei sabendo por “acidente”. Tokyo sofreu o chamado carpet bombing durante a guerra e praticamente tudo foi destruído. Existem poucos bairros que preservam os prédios originais de antes da guerra, e como tudo é novo, raramente se lembra dos acontecimentos. Mas as evidências continuam enterradas por aí.

quinta-feira, fevereiro 07, 2008

De porta à porta...

18 800 km, 40 horas e meia. Uma longa viagem.

Ainda assim, bem melhor que os 52 dias do Kasato Maru (笠戸丸).

quarta-feira, janeiro 23, 2008

Neve

Hoje nevou em Tokyo. A primeira neve “forte” do inverno, e possivelmente a última. Tokyo fica ao nível do mar, então é difícil nevar bastante. Dessa vez, nevou desde o amanhecer, sem parar, até perto da uma da tarde.

segunda-feira, janeiro 07, 2008

Uma casa no campo!

Chegou a hora do meu maior desafio desde a chegada no Japão: encontrar uma casa nova. Desde que cheguei, morava num dormitório de estudantes internacionais. Morar no dormitório tem suas vantagens, principalmente para quem recém chegou no país e sabe pouco sobre os procedimentos da vida aqui, mas com o tempo cansa, desanima. Por mais que meu dormitório não seja ruim (já ouvi histórias de dormitórios bem piores em outras cidades do Japão), considero ele o pior dos que conheci em Tokyo, sendo as únicas vantagens o preço relativamente baixo (35 mil ienes - 310 dólares - por mês) e a possibilidade de se ficar nele por até dois anos. Mas as desvantagens também eram tantas que não fiz questão nenhuma de morar nele por todo esse tempo, apenas até economizar o suficiente para me mudar para um lugar mais agradável, já que se mudar em Tokyo custa bastante dinheiro.

Primeiro quanto às minhas reclamações do dormitório, já que com isso fica mais fácil entender o que quero dizer com lugar melhor. Meu quarto não é pequeno. Mas nele faltam duas coisas essenciais para mim: cozinha e chuveiro. O chuveiro nem é tão importante: o ruim é sempre ter que preparar minha cestinha, roupas limpas, todo o esquema a cada vez que vou tomar banho no chuveiro compartilhado. E como moro no primeiro andar, onde circulam várias pessoas, não me sinto à vontade pra ir ao banheiro só enrolado na toalha. No inverno ainda tem o agravante do frio. Para evitar a umidade, as janelas do banheiro seguidamente ficam abertas. E um problema que era mais freqüente mas parece ter sido resolvido era quando queria tomar banho e estavam fazendo a limpeza. Acho que mudaram o horário. Pelo menos um ponto positivo: apesar de não ser absurdamente limpo, nosso banheiro era um dos mais limpos do dormitório, pelo que comparei quando tive que tomar banho nos das outras alas em dias de manutenção. Além disso, a água era bastante quente e com pressão.

A cozinha, essa sim, é o que mais me deixava desanimado. Cozinha para mim é importante porque gosto de preparar minhas comidas, o que é mais barato e agrada mais o meu gosto não japonês. E a nossa cozinha não era suja. Era imunda. Uma coisa que não consigo entender é como podia nossa cozinha ser mais suja que as dos albergues onde eu já estive. Muita gente diz que a sujeira é por causa dos chineses, o que é uma injustiça: nossa cozinha era tão suja que nem os chineses se animavam a deixar suas louças e seus ingredientes nela! Os moradores mais críticos eram, na verdade, os do Paquistão e Bangladesh.

Eu sei que tem coisas que são culturais, e essas eu tento respeitar. Me esforço, até. Acho estranho o fato de comerem com a mão, mas tudo bem, isso é um hábito diferente para mim como utilizar talheres o é para eles. Mas existem noções básicas de higiene, que, no século XXI, deveriam ser universais. Por exemplo, após as refeições, em vez de lavar pratos, eles apenas passam uma água e os guardam nos armários coletivos da cozinha (que só eles utilizam). E, o que foi a gota d’água para mim, foi ver a mesma criatura (a quem eu “carinhosamente” chamo de “guri-bicho”) chegar na cozinha um dia de manhã, abrir um dos armários e tirar uma panela destampada do seu tradicional “cozido” de legumes, que estava ali pelo menos desde o dia anterior, sem refrigeração alguma, dentro do armário. Também, um dos ralos estava constantemente entupido (o que não impedia que as pessoas continuassem usando-o “normalmente”) e o chão era um adesivo com mais aderência que um Post-it®. Resolvi dar um basta e encontrar de vez um novo lugar para me mudar.

Podem me chamar de fresco. Sou exigente, isso sim, e como introspectivo que sou preciso de um lugar meu para “recarregar minhas baterias”. Especialmente considerando que moro num país onde tudo é estranho: a língua, as pessoas, comidas, sons, músicas. Preciso de um canto onde eu possa fazer a comida que eu gosto, ouvir a música que me agrada, me sentir à vontade. Na verdade, encontrar um lugar para morar em Tokyo não é difícil, se a pessoa não é tão chata como sou. Mas encontrar um lugar que se possa chamar de “casa”, isto sim, é um dos maiores desafios da vida no Japão.

Alugar um apartamento em Tokyo, além de caro, é mais difícil para estrangeiros. É caro não só pelo aluguel mensal, mas também pelas taxas iniciais que devem ser pagas. Além do aluguel do primeiro mês, deve-se pagar o equivalente a um ou dois meses de aluguel de depósito (chamado de “key money”) que serão usados para manutenção ao se sair do apartamento (sendo o que sobra devolvido), além de uma outra taxa mais inexplicável equivalente a um ou dois aluguéis chamada de “gift money”, que é um “presente” dado ao proprietário pela sua gentileza em alugar o apartamento. Esse dinheiro é “morto” e não volta. Seu sentido é questionado por muita gente, mas é uma tradição japonesa que não dá sinais de desaparecer, pelo menos nas áreas onde habitação é mais crítica como Tokyo. Mais a taxa da imobiliária que corresponde a um mês de aluguel. Além disso, é necessário pagar um seguro sobre o imóvel e, em muitos casos, um seguro fiador. Somando todas as taxas, chega-se facilmente a quantias de 300-500 mil ienes (2700-4600 dólares).

O valor do aluguel, que indexa essas taxas, é bastante alto. Um apartamento de 20 m² custa pelo menos 100 mil ienes (900 dólares) mensais no centro de Tokyo, e o preço vai diminuindo quanto mais longe o imóvel fica do centro. Além disso, existem vários outros fatores que influenciam o preço do apartamento: idade, orientação, andar, distância à estação de trem, tipo de banheiro e cozinha, itens incluídos (como ar condicionado) etc. Finalmente, ainda há o agravante de se ter que lidar com tudo isso numa língua complicada (japonês), e aceitar o fato de que a grande maioria dos proprietários (>70%) simplesmente não aluga para estrangeiros.

Procurar um apartamento no Japão consiste em se passar em frente de uma das inúmeras imobiliárias (em geral próximas às estações de trem), ver afixadas nas vitrines diversas fichas de apartamentos com a planta e as informações gerais (valores do aluguel, taxas, localização etc.), entrar, preencher uma ficha dizendo quais suas necessidades e aguardar o agente procurar fichas que atendam os requisitos. Depois, normalmente, visitar os apartamentos das fichas escolhidas. Mas se tratando de estrangeiros, existe um passo intermediário, onde o agente telefona para os proprietários para consultar se ele está disposto a alugar para estrangeiros. Pontos que contam positivamente é se falar (pelo menos um pouco de) japonês, e estudar em uma universidade conceituada. O que conta negativamente é, infelizmente, ser brasileiro. E de uma pilha inicial de uns 15 apartamentos interessantes, após a consulta em geral apenas uns 3 ou 4 estão realmente disponíveis para estrangeiros.

O preconceito com estrangeiros existe no Japão e não é tanto uma questão do japonês não gostar de estrangeiros, mas sim de não estar preparado para lidar com o diferente. Japonês gosta de previsibilidade. Qualquer japonês tem uma idéia geral de como os outros japoneses irão se comportar, mas isso não acontece em se tratando de estrangeiros. Por exemplo, como lidar com um estrangeiro como o “guri-bicho” que vive no meu dormitório? Será que ele conseguirá lidar com o complicado processo de separação de lixo como todos os japoneses se dispõem a fazer? E como fazer quando for pra reclamar de alguma coisa? E não adianta eu ser um “cara certinho”, pois acabo caindo na mesma classificação geral de “nós, os japoneses, e o resto”. Esse é o lado ruim de qualquer preconceito.

Apesar disso, pelos últimos 3 meses estive procurando o apartamento “ideal” para morar. Como tinha até março para sair do dormitório, queria procurar com calma e achar algo que realmente me agradasse. Quanto ao valor, estava disposto a pagar no máximo 65 mil ienes (600 dólares) por mês, e isso se fosse um apartamento muito bom. Logo, apartamentos centrais estavam excluídos. O apartamento não precisava ser novo, mas precisava ter uma aparência boa/nova. Inicialmente preferia que o apartamento fosse um washitsu (和室), ou seja, um quarto com tatami em estilo oriental, o que acho mais prático e confortável, mas logo vi que quartos de solteiro desse tipo não são mais preferência dos japoneses e apenas apartamentos antigos (que não foram reformados) ainda são desse tipo. Assim, desisti desse requisito. Como meu dormitório era bastante longe da estação (20 minutos a pé), procurava apartamentos mais próximos (no máximo 10 minutos). Lugares assim, na mesma linha de trem que utilizava anteriormente, eram difíceis de encontrar, então comecei a procurar em outra linha que também passa próximo ao meu campus. Essa linha, apesar de tomar um pouco mais de tempo e exigir uma troca de trem, é bem mais vazia e barata. Fui com alguns amigos e com a Fernanda, que são mais fluentes em japonês, em algumas imobiliárias procurando apartamentos assim. Nos ofereceram muita coisa ruim. Com o tempo, fui ganhando mais vocabulário e já entendia bastante do que nos diziam, mas ainda tinha a dificuldade de articular minhas respostas.

No início de dezembro encontramos um apartamento que parecia perfeito. Ele havia sido reformado há 3 anos, tinha orientação sul, ficava a apenas 7 minutos de uma estação onde pára o trem expresso (que não pára em todas as estações), ficava no segundo andar e o aluguel era de apenas 58 mil (530 dólares). Fomos visitar o apartamento, e logo chegando no prédio a impressão foi boa: era o primeiro que não tinha a aparência velha e suja de todos vistos anteriormente. Entrando no apartamento, então, o golpe de misericórdia: o chão iluminado pelo sol que entrava pela ampla janela, com vista para uma horta comunitária. Dava para ver à distância! Isto porque, considerando a distância, o apartamento era um pouco mais afastado do centro de Tokyo que o meu dormitório, no subúrbio, mas considerando os transportes ainda assim mais “perto”, a cerca de 20 minutos de trem do laboratório. Completamente diferente de todos os outros que até então havia visto, perfeito!

Voltando do apartamento, dissemos à imobiliária que eu tinha gostado, mas que as taxas iniciais ainda estavam um pouco altas, tentando algum tipo de barganha. Mesmo não sendo possível, disse que estava interessado e disposto a assinar o contrato, e aí apareceu o segundo problema: o fiador.

O centro de estudantes internacionais da minha universidade tem um programa de fiador, onde pagando-se um seguro, a universidade entra como fiador na assinatura do contrato. Havia explicado à imobiliária desse serviço, mas o proprietário não aceitou este esquema por se tratar de um fiador pessoa jurídica. Foi um balde de água fria: já estava me vendo morando naquele apartamento bacana, já estava até aceitando as incomodações do dormitório por saber que aquilo estava com os dias contados. Na verdade, nem foi tanta surpresa, pois alguns meses antes já tinha me interessado por um outro apartamento que também não aceitou a universidade como fiador. Paciência. De volta a estaca zero, explicamos a situação à imobiliária que ficou de procurar outro apartamento. Uns dias depois fomos ver uma outra opção, mas ele não chegava nem perto do anterior.

Nesse tempo, fiquei pensando na questão do fiador, e se não seria possível que meu orientador aceitasse sê-lo. No Japão, também, ser fiador é uma questão complicada e muitas vezes as pessoas não gostam de assumir o compromisso, sendo os fiadores geralmente os pais ou parentes próximos do inquilino. Mas como estrangeiro que conhece poucos japoneses eu não tinha essa opção. Depois de muito pensar na questão, e confirmar que o apartamento ainda estava vago, resolvi começar a “mexer os pauzinhos” para resolver a questão do fiador, e considero que o fiz de uma maneira bastante japonesa.

A forma ocidental de abordar o problema seria conversar com o orientador e apresentar o problema, e pedir a sua ajuda. Mas lembrei de um texto que li sobre relações de negócios entre ocidentais e japoneses que comentava como os japoneses funcionam de forma diferente. Segundo o texto, enquanto os ocidentais fazem um encontro para discutir todos os aspectos e resolver as questões, os japoneses esperam que ambos os lados já tenham “feito a lição de casa” e estudado o problema de antemão, e o encontro é apenas um momento de formalização de uma decisão já bem pensada. Considerando isso, levei meu problema pela hierarquia do laboratório, começando por meu colega de doutorado. Expliquei a ele o meu problema e perguntei se seria apropriado pedir a ajuda do sensei (orientador). Ele disse que normalmente não seria comum, mas em se tratando de um estudante estrangeiro talvez fosse OK, e fomos perguntar para um outro pesquisador do laboratório (mais sênior), que disse a mesma coisa. Os dois concordaram que eu poderia pedir, sim. Em seguida, contatei a secretária do sensei, pessoa mais próxima dele no laboratório, e quem tinha sido a responsável pela minha alocação no dormitório. Expliquei a situação, dizendo que precisava de um fiador, mas que não sabia se deveria pedir ao sensei e que não queria colocá-lo na situação incômoda de ter que negar meu pedido. Ela respondeu dizendo que fiz muito bem em escrever a ela, e que conversaria diretamente com o sensei sobre o meu problema e me daria uma resposta. Alguns dias depois, me informou que o sensei conversaria diretamente comigo, o que fizemos, e ele foi muito atenciosos e sem eu ter que falar nada, aceitou ser meu fiador. Eu estava bastante nervoso mas ele parecia muito tranqüilo, apenas perguntou alguns dados do imóvel e terminou me dizendo “It’s OK, I trust you”.

Fiquei muito feliz. Contatamos a imobiliária para passar a notícia. Fechar o contrato foi um pouco difícil pois o sensei estava viajando em dezembro e logo chegaria o feriadão do ano novo, mas tudo deu certo e fim de semana passado me mudei para meu novo lar. :) Ainda estou lutando com algumas burocracias da mudança, como registro na empresa de água e luz, mudanças de endereço, mas minha casa já tem cara de casa, e minha vida já está muito mais agradável do que estava no dormitório.

Aos interessados em meu novo endereço, é só pedir que eu mando. Alias, até nisso o apartamento é perfeito: os ideogramas do endereço são bem fáceis de escrever!