Eu prometi escrever sobre o jogo, e melhor fazer isso logo já que tem muita coisa acontecendo aqui no fim de ano, que vai acumulando pra escrever.
O primeiro sinal de que aquele domingo seria atípico foi, ao passar pela Yodobashi Camera, uma loja de eletrônicos, pela manhã, ver um homem saindo com um PlayStation 3 recém comprado, o novo videogame da Sony. Por que estranho? Porque, lançado à poucos meses, esse aparelho é praticamente impossível de se comprar, já que a Sony está com sérios problemas de produção e o fornecimento é extremamente limitado. A gente aqui diz que o PlayStation 3 é que nem Papai Noel e coelhinho da Páscoa: se fala que existe mas na prática ninguém vê. Pois bem, ele existe sim, e de vez em quando até tem pra vender, mas esse não é o assunto desse post.
O assunto de hoje é o jogo. Chegou o tão esperado dia, sonho de muitos colorados que esperavam há anos por essa chance. O colorado não estava em Tokyo - muita coisa mudou desde que o grêmio foi campeão da Copa Toyota - mas em Yokohama (横浜), cidade moderna, com um excelente estádio que foi sede da final da copa de 2002.
Nas ruas de Tokyo se viam muitos colorados. Em qualquer ponto turístico, sempre se encontravam dois ou três com o fardamento do Inter: camisetas, jaquetas, ou apenas cobertos com bandeiras do Inter e do Brasil. Dizem que os torcedores do Barcelona são bastante fanáticos, mas a verdade é que não se via um espanhol pela rua, ou se os via, estes estavam “à paisana”.
Na verdade vimos apenas um grupo, à tarde, na famosa Chinatown de Yokohama. Um grupo de senhores conversava em espanhol e o Marco, amigo meu, não perdeu a chance de dar uma provocada. Disse que a alegria terminaria à noite, ou algo assim. Os espanhois gritaram “Barça, barça!” mas logo fomos embora, pois queríamos ir pro estádio.
Chegando na estação do estádio, o clima já era de superprodução. Vários guias indicavam o caminho, separando as pessoas pela entrada associada ao ingresso. Alguns falavam espanhol, português, até italiano, identificados em sua roupa. Mas não foi necessário, as próprias placas eram suficientes.
O estádio internacional de Yokohama (横浜国際総合競技場) fica a uns 15 minutos a pé da estação. Eu já conhecia o estádio, pelo menos por fora, mas não sabia! É que lá pela metade do ano eu fui a Yokohama prestar o TOEFL, e era muito próximo do estádio da Nissan, que eu havia visto. Eu duvidei que a final de um evento patrocinado pela Toyota seria no estádio da Nissan - as duas empresas são concorrentes -, mas de fato, o nome oficial do estádio é “Nissan Stadium”, sendo o nome “Yokohama International Stadium” o antigo, ainda usado em eventos da FIFA onde não é permitido usar a marca dos patrocinadores para nomear os estádios.
No caminho até o estádio, muitos estrangeiros vendendo camisetas, mantas, faixas do Barcelona. Alguns vendiam camisetas de outros times, da seleção brasileira, mas não havia quase nada do colorado. Um ou outro vendia a camisa oficial, muito cara, e obviamente ninguém comprava. Estes estrangeiros mal e mal falavam japonês, eram na maioria europeus, turcos, etc.
Não só pela quase exclusividade de venda de artigos do Barcelona, era claro que os japoneses estavam lá pra ver o Barcelona do Ronaldinho. Muitas pessoas usando ítens do Barcelona, e apenas um ou outro japonês com alguma coisa do Inter.
Pra entender é preciso falar da popularidade do Ronaldinho aqui. Tirando os jogadores de Beisebol japoneses, o Ronaldinho é sem dúvida a maior celebridade dos esportes aqui. Ele estrela diversas campanhas, a mais famosa é de um cartão de crédito onde aparece de terno falando de seu passado e como chegou aonde chegou, tudo em português com legenda em japonês. Tem cartazes dessa propaganda em todo lugar, até no meu supermercado, e a propaganda em si, até há algumas semanas atrás, era mostrada nos telões gigantes de Shibuya (渋谷), zona mais badalada de Tokyo onde fica aquele cruzamento que aparece no filme “Encontros e Desencontros”, um dos mais movimentado do Japão, senão do mundo.
Esse excesso de mídia faz as pessoas começarem a ver as celebridades como vindo de um outro planeta, de outro nível, diferente dos “reles mortais”. Assim, os japoneses foram ver o espetáculo do Ronaldinho, era claro pra eles que o Barcelona ganharia, e que Ronaldinho iria brincar no campo, dando um show pessoal.
Eu admito que até a gente acaba acreditando nessas bobagens. Vendo aquele estádio cheio de japoneses com bandeiras, camisas do Barcelona, dava até pra pensar que isso seria o que aconteceria, principalmente se os jogadores do Inter também, pelo menos de leve, acreditassem em tamanha bobagem.
Mas aí é preciso levar duas coisas em consideração. Primeiro, esse “Ronaldinho”, fenômeno, no fundo ainda era o piá que jogava nos campinhos de Porto Alegre, os mesmo que muitos jogadores do Inter já haviam jogado. E, mais importante, a torcida do Inter, se menos numerosa, era a torcida real, com paixão, e seus coros e gritos tomavam conta do estádio. Não havia comparação com o silêncio dos japoneses. Além disso, diferente do primeiro estádio onde o Inter havia jogado, em Tokyo, esse sim tinha cara de palco pro grande espetáculo que a torcida e os times fariam acontecer.
Pra ser sincero, havia uma torcida de espanhóis do Barcelona, mas pra minha surpresa, ela era menor que a do Inter. Tendo ouvido sobre como a torcida do Barcelona era fanática, e considerando que eles ganham em Euro, achava que o estádio estaria cheio de espanhóis, os únicos que poderiam rivalizar com a torcida do Inter, já que os japoneses uniformizados estavam ali apenas como figurantes. Mas, não, a torcida do Barça era de apenas uns 2/3 da torcida do Inter, que por estar espalhada pelo estádio - exigência da organização, dizem, que temia confusões - parecia ainda maior. Todos aqueles gritos ouvidos no Beira Rio tomavam conta do estádio de Yokohama: “Ronaldinho, amarelão, melhor do mundo é o Fernandão”, “Fernando... Carvalho...” e outros não tão inocentes que é melhor não escrever aqui. :)
E aí teve showzinho, apresentação. O Marco disse: "O Inter tinha que calar a boca de todo mundo hoje...", e o jogo começou. Ia ficando cada vez mais claro que o Barcelona era um time humano como o Inter, que aliás, era um belo time. Nunca entendi nada de futebol, e não foi no jogo que comecei a entender, mas dava pra ver que, se o ataque do Inter não se acertava muito bem, a defesa estava marcando bem o Ronaldinho, e conseqüentemente o “time das estrelas” que dependia dele ficava cada vez mais anulado. Claro, a marcação forte em cima dele deixava o outro lado um pouco mais aberto, por onde vários ataques eram feitos, o que nos deixava numa tensão danada, mas as defesas do Clemer foram decisivas nesses momentos.
O jogo foi indo, sempre no mesmo esquema. Terminou o primeiro tempo, e a gente ficou imaginando como seria o clima em cada vestiário. No do Barcelona, eles deveriam estar sem entender o que acontecia, no do Inter, a confiança e fé deveriam estar só crescendo. E o segundo tempo começou.
Poucas mudanças, mas ficávamos mais tranqüilos. Os ataques do Barcelona não eram mais tão fortes, até que, no final do jogo, o “inacreditável” aconteceu. O Inter marcou, e o silêncio dos japoneses que não entendiam o que acontecia contrastava com a festa da torcida colorada que tomava conta do estádio. No Japão, as coisas acontecem como o esperado. Japonês não gosta de inesperado. E eles estavam lá pra ver o Barcelona ganhar, como deveria acontecer - na cabeça deles. O gol do Inter não deveria fazer sentido.
O jogo finalmente acabou, mas antes passando os descontos mais longos da história, pelo menos na nossa percepção. E o “impossível” aconteceu. O Inter havia derrotado os “inderrotáveis”, os “melhores do mundo” e se tornava campeão do mundo. E eu, que nem gosto muito de futebol, estava lá, pra comemorar com toda aquela torcida fanática que atravessou o mundo, gastou uma nota, pra ver um sonho se realizar. Admito: claro que queria que aquilo acontecesse, não era meu sonho, mas estava feliz por ver o sonho de tanta gente se realizando. Era o inesperado, o triunfo dos desvalorizados, e, acima de tudo, o momento de glória, do desporto nacional. :)
No dia anterior, em Kamakura (鎌倉), a pequena estátua de Buda indicava o que estava por vir no dia seguinte. ;)