sexta-feira, abril 17, 2009

A Brasília do Camboja

Nossa viagem de ano novo não foi só para a Tailândia. Aproveitamos que já estaríamos praqueles lados e resolvemos também dar um pulo rápido no Camboja, mais especificamente nos templos de Angkor na cidade de Siem Reap.

Antes de vir pra Ásia, nunca tinha ouvido sobre o complexo do Angkor Wat: acho que é reflexo da nossa ignorância ocidental da história da civilização asiática, dessa sensação de que a forma em que a humanidade vive hoje vem da Europa e de que os acontecimentos e realizações de outras culturas são apenas curiosidades históricas. Fiquei sabendo pela primeira vez sobre os templos de Angkor em um parque de miniaturas no Japão, onde existem maquetes de vários patrimônios da humanidade, e depois por relatos de amigos que também visitaram o sudeste Asiático. Indo para a Tailândia, ali do lado, fizemos questão de visitá-los.

O Camboja é um país pobre, e ir de Bangkok até Siem Reap de ônibus, dizem, não é muito agradável. É fato: a gente não gosta de ter contato direto com miséria, ainda mais quando não há muito a nosso alcance para acabar com ela, e o caminho por onde o ônibus passa é pouco desenvolvido. Algumas semanas antes, também, ocorreram uns conflitos na fronteira do Camboja com a Tailândia, então resolvemos escolher a alternativa mais cara, um vôo operado pela Bangkok Airways que leva direto a cidade dos templos, sem nem ao menos passar pela capital Phnom Phen. Como a empresa tem monopólio nessa trajeto, o custo do vôo não é dos mais baratos, mas foi completamente válido. Chegamos direto no novo aeroporto turístico em Siem Reap (lembra um pouco o de Porto Seguro), onde já fomos recebidos pelo nosso motorista de tuk tuk que nos levaria ao hotel.

O caminho assustou um pouco. Estava escuro e não conseguíamos ver muito bem como se pareciam as casas e as ruas na penumbra. Parecia que estávamos indo para um lugar bem pobre (no dia seguinte veríamos não ser ruim assim). O hotel era simpático, uma casa grande e arejada mantida por um Sr. australiano, com piscina, bar, etc. e funcionários bastante atenciosos. Antes de dormir, pedimos na recepção do hotel para agendar um motorista para nos levar no dia seguinte ao Angkor Wat, e a moça nos perguntou se gostaríamos de ver o nascer do sol nos templos, programa bastante comum. Já que estávamos descansados, aceitamos nos encontrar as 5 horas da manhã com o motorista do tuk tuk (o mesmo que nos buscou no aeroporto) para sair em direção aos templos.

Dia seguinte, ainda escuro, lá estávamos nós. Chegando no templo principal, muitos outros turistas e uma escuridão total. Fomos andando entre as pedras, seguindo o som das outras pessoas, e a luz das poucas que levavam lanternas. Achamos um lugar bom para fotos, e esperamos amanhecer. Poucos pingos de chuva já indicavam que o céu não estaria aberto, mas fazer o quê, só tínhamos dois dias no Camboja.

De fato, o nascer do sol não foi dos mais bonitos. Não foi igual aos postais com o nascer por detrás das pedras do templo mas, mesmo assim, foi uma experiência única. Assistir qualquer amanhecer é sempre encantador: é como um entardecer mas com as pessoas, o ambiente, em outro ritmo. Ao clarear, demos as primeiras voltas no templo de Angkor Wat, e resolvemos partir para visitar os outros templos, voltando ali à tarde.

Passamos os dois dias visitando templos. Para quem não sabe muito da história da civilização Khmer (como nós), parece tudo muito igual. São grandiosas construções-cidades esculpidas em pedra, o estilo mudando pouco de uma para a outra (para nossos olhos ignorantes de história). Além do Angkor Wat, os destaque são os templos de Tah Prohm, com enormes raízes de árvores crescidas sob as ruínas das construções originais (e cenário do filme Tomb Raider), os grandes rostos esculpidos em pedra no Bayon do Angkor Thom, e os detalhados relevos nas paredes das ruínas do Banteay Srei. Fiquei imaginando o custo e trabalho de construir tudo aquilo. Primeiro, pensei, estranho todo esse investimento em enormes construções não ter sido feito em prédios do governo (são templos religiosos), mas daí lembrei: naquela época - e em várias outras culturas -, religião e governo eram a mesma coisa. O Angkor Wat era a Brasília do Camboja. :)

Em todo lugar que íamos, era forte a insistência de crianças para que comprássemos bugigangas. Era chato, mas inevitável em um lugar assim, onde a sobrevivência de muitas famílias depende do turismo. Tínhamos que ignorar completamente os pedidos, senão não conseguiríamos ver tudo em 2 dias, e com o tempo (às vezes muito tempo) elas paravam. Ao visitarmos o Museu de Minas Terrestres (que patrocina o desenvolvimento e educação de algumas crianças da região) lemos um depoimento de uma menina mantida pelo museu em que ela dizia querer aprender inglês para poder vender mais souvenirs, o que confirma essa cultura. Uma pena: sabendo inglês, uma pessoa assim teria um potencial muito maior, poderia facilmente trabalhar no turismo como guia ganhando muito mais (alias, vimos guias locais falando todo tipo de idioma, do japonês, línguas latinas, inglês, hindi, etc), mas a ignorância não permite que eles reconheçam seu real potencial.

Falando em minas terrestres, o Camboja é um dos países onde seu impacto foi mais devastador, resultado dos anos de guerra civil e do regime do Khmer Rouge. Liderado por Pol Pot, esse período é lembrado pela tortura, fome, trabalho forçado, execuções, e proibição e destruição de tudo de origem ocidental. Enfim, destruíram o país. Ao andar entre os templos, sugere-se que os turistas não se afastem das áreas mais populares pois ainda podem haver minas terrestres perdidas em locais remotos. Pelos anos 80 o Vietnã invadiu o Camboja e continuou o conflito, mas isso levou a mudanças e o país finalmente conta com um governo que, se não perfeito, pelo menos é estável e democrático. O povo Cambojano sofreu muito, e vê-los na atualidade dá esperança no desenvolvimento. Pensei no nosso motorista, Heng. Ele aparentava uns 50 anos, mas deveria ser mais jovem. Fiquei imaginando como teria sido sua vida e de sua família naqueles anos, e como ele vivia agora, com os dólares do turismo, e tive certeza que o sorriso constante no seu rosto era reflexo dele, finalmente, saber o real significado de felicidade.

Nos templos vimos também muitas crianças cambojanas em excursão escolar. Olhando pra elas, ficava imaginando o que pensavam vendo um passado tão grandioso do seu país, comparado com sua situação atual de pobreza e de pouca relevância internacional. Claro, elas nem tinham idade pra pensar nisso, ainda, mas com certeza é um pensamento que outros cambojanos com um pouco mais de educação devem ter.

Mas se o Camboja não está mais no seu apogeu, também já saiu dos seus piores anos. O progresso chegou. Siem Reap não impressiona só pelos templos. A cidade também possui muitos hotéis internacionais de 5 estrelas, e um centro cheio de bares e restaurantes agradáveis. Claro, essa região é para os turistas e os preços são todos em dólar (alias, só se usa dólar em Siem Reap. Trocamos uns poucos dólares no aeroporto e tivemos dificuldade em conseguir gastar tudo), e bem mais caros que nos lugares “locais”, mas ainda com preços baratos para padrões internacionais. Jantamos em um restaurante simpático, comemos sorvete numa sorveteria/padaria que tinha até internet wireless! Não imaginava nada disso no Camboja. A lembrança que me deu é daqueles filmes de época, onde europeus e americanos iam para o oriente médio ou norte da África e tinham um tratamento de primeira classe. Nunca me imaginei naquela situação. Tendo-se dinheiro, talvez isso seja possível em qualquer lugar, mas nas nossas viagens estilo Lonely Planet, nunca tínhamos tido a experiência. :)