Tem gente que tem fixação pelo Japão. Desde pequeninho. De gostar de desenhos japoneses, música japonesa, filmes, videogames. Tudo que tiver o discreto “made in Japan” tem uma aura toda especial pra essa gente.
Mas não é meu caso. Não cresci com esse encanto pelo Japão. Tinha interesse, claro, por ser um lugar diferente e um povo estranho, mas não a fascinação que muitos tem. Gostava de documentários sobre o Japão, mas nunca gostei de seriados japoneses. Achava besta o Ultraman e o Spectroman, e só gostava das lutas porque eram muito toscas as cidades de isopor destruídas pelos monstros, e os fios de nylon que sustentavam os aviões no ar revelando a precariedade da produção. Quando meus coleguinhas estavam brincando de “Jaspion” eu dava um tempo e ia fazer outra coisa. Desenho pra mim era da Hanna Barbera, música boa era feita pelos conjuntos infantis dos anos 80. O meu interesse por videogame sempre foi muito mais técnico, pela qualidade e criatividade dos gráficos, do que pelo mundo da fantasia e dos personagens criados. Preferia assistir alguém jogando do que jogar eu mesmo. Assim podia observar a parte técnica sem ter que me preocupar em ser “morto” por vilões ou outros seres malígnos. :P
Então, o que me fez aceitar o desafio de passar alguns anos nesse lugar que alguns consideram “um outro mundo”? Como é que eu vou parar no Japão?
Em 1993 fiz um intercâmbio curto, durante apenas um mês, nos EUA. Era muito piá, tinha 15 anos. Mas senti que a experiência fora, por mais curta que tenha sido, me mudou profundamente. Voltei sendo a “versão 2.0” de mim. Vi que o mundo, mesmo nos lugares mais parecidos com a nossa casa, é muito diferente, tem muita coisa pra se ver e tentar entender. Meu inglês melhorou muito, e me abriu portas pra conhecer pessoas e coisas que não imaginava que existiam. Me senti mais capaz de fazer as coisas por mim mesmo. Ser o responsável pelo meu caminho. E voltei.
Voltando entrei na antiga rotina, colégio, poucos mas bons amigos. Muita TV, e muito interesse pelas coisas, mas agora com a consciência de que um dia poderia conhecê-las de verdade e não apenas por relatos de outras pessoas. Entrei na faculdade, e a rotina continuou, apesar de sofrer algumas pequenas mudanças. Até que um amigo me comentou sobre uma organização chamada AIESEC. A AIESEC é uma organização de estudantes que promove estágios profissionais no exterior. Era tudo que eu sabia da organização. Não sabia o porquê, não sabia como era o processo seletivo, não sabia para onde poderia ir. Mas conhecia algumas pessoas que já haviam ido, e todas me disseram que havia sido uma grande experiência. Nesse ponto não pensava em ter outra experiência no exterior, mas sem pensar muito, me inscrevi para a seleção, no último dia, à tarde.
Resumindo a história, fiz a seleção e passei. Entrei em uma base de dados com os estudantes escolhidos e com os estágios disponíveis, e comecei a procurar um estágio pra mim em algum lugar. O processo não é simples, o sistema te exibe estágios possíveis, de acordo com tuas habilidades, mas muitos desses vão acabar sendo preenchidos por outras pessoas, ou simplesmente o responsável acha que tu não te encaixas no perfil buscado. Mesmo assim, entre as primeiras possibilidades já apareceu um estágio no Japão. Lembro que ao aparecer achei aquilo curioso: pensei “puxa, esse esquema realmente é mundial”. Mas parou por aí. “Japão é um lugar muito diferente. Não me adaptaria com a cultura, com a língua, com a alimentação”. E coloquei a idéia de lado, voltei a procurar estágios em países mais “convencionais”, como Espanha, Inglaterra, Hungria, Canadá.
A cada possibilidade de estágio, ía lendo tudo a respeito dos países. Devorava páginas na Internet pra saber como eram as pessoas, a vida nas cidades, clima, esse tipo de coisa. E não lembro por que cargas d'água, talvez por já estar no clima de fazer pesquisa, comecei a procurar sobre o Japão.
Este foi o momento crítico.
Quanto mais lia sobre o Japão e o povo japones, mais me convencia que era para lá, sim, que eu deveria ir. Que com os desafios que lá eu encontrasse aprenderia muito, repensaria várias coisas, e poderia voltar numa “versão 3.0”, enquanto em países mais convencionais chegaria no máximo a “2.5”. :) Mais, vi que apesar de não me identificar com a cultura superficial do Japão, aquela que chega até nós pela comunicação de massa, me identificava com os valores fundamentas de convívio da sociedade japonesa. E com isso me sentiria a vontade. “Se tua alma não é estranha a ti, o mundo todo é a tua casa.” foi uma das frases que encontrei quando pesquisava sobre a vida no Japão, em uma página de um casal de missionários que por alguns anos lá viveu. E tudo fez sentido.
Continuei a busca genérica por estágios, mas quando alguma possibilidade de estagiar no Japão aparecia, tentava responder o mais rápido possível para aumentar minhas chances de seleção. Outros estágios foram “falhando”, mas, finalmente, recebi a resposta de que havia sido aceito em um estágio em Quioto. Tenho uma página sobre tudo que lá vivi, não vale a pena aqui repetir. O que vale a pena é colocar um link para um “ensaio” que me foi pedido e usado na seleção, abordando os seguintes tópicos:
- Why do you want to take part in AIESEC internship?
- Why do you want to work in Japan?
- Why do you want to work at Horiba Company?
- How do you put your internship experience to practical use in your life?
Esse texto mostra bem a minha motivação e sentimento na época.
Em 2003, 10 anos após minha primeira experiência no exterior, chegava ao Japão. E como foi minha experiência? Não digo que foi tudo e mais do que esperava. Quando estamos prestes a viajar idealizamos várias coisas, fantasiamos e às vezes saímos da realidade. O Japão real foi diferente, mas não menos impressionante e proveitoso. Da viagem guardo só recordações positivas. Da AIESEC guardo grandes amigos, tanto no Brasil quanto no Japão. Os objetivos foram alcançados plenamente, e o país e as pessoas guardo em um lugar especial. Regressando, após a adaptação reversa, começaram alguns planos de retorno, nada muito definitivo, mas isso fica para um post futuro...