A semana da virada de abril para maio é a principal época de feriados do Japão. São originalmente 5 dias de feriado, que, emendando com mais dois dias do meio da semana, tornam-se uma semana inteira que os japoneses aproveitam para descansar. Essa semana é chamada de golden week pois é a oportunidade de ouro para aproveitar.
Como temos nossas responsabilidades por aqui, da mesma forma que os japoneses, não podemos simplesmente sair por uma semana a qualquer momento, e resolvemos aproveitar também a golden week para fazer uma viagem um pouco mais longa que a da Coréia. Escolhemos a China, por ser um país grande com atrações que nos tomariam mais tempo para conhecer.
O ruim de se viajar na golden week é que as passagens são mais caras, e as atrações turísticas no Japão estão todas lotadas. A passagem foi até acessível por comprarmos com certa antecedência. E indo para a China, pensamos, estaríamos fugindo da multidão. Mas nossa desinformação nos traiu: na China a semana do dia do trabalho também acumula feriados, e os chineses, também, aproveitam a época para fazer turismo.
Muito se ouve da China: país do futuro, desenvolvimento desenfreado, mão-de-obra barata, mudanças estruturais, sede das olimpíadas de 2008. Fui para a China para levantar minhas próprias opiniões sobre o país e o povo. E vi muita coisa por lá...
Resumimos nossa visita às duas maiores cidades: Shanghai (上海) e à capital Pequim (北京). Claro, o grande contraste atual da China é entre a vida em cidades como essas e nas províncias do interior, que não visitamos. Não vimos diretamente o abismo que separa a vida na cidade e no campo. Mas mesmo Shanghai e Pequim já apresentam um contraste bastante forte.
Ao chegar em Shanghai, a primeira coisa que vem a cabeça é "Ué, mas a China não era comunista?". Shanghai é uma cidade economicamente desenvolvida e internacionalizada. A quantidade de prédios em construção impressiona, mas é a grande presença de empresas internacionais que chama mais atenção. Aquela música dos anos 80 do RPM dizia que “agora a China bebe Coca Cola”. Hoje em dia, a China “bebe” de tudo: eletrônicos, grifes internacionais, cadeias de fast food. O governo chinês vê Shanghai como a vitrine da nova China. A cidade é legal, mas sem muitas atrações. O mais bacana mesmo é passear pelas ruas. Alias, nos sentimos bem seguros nos nossos passeios, por toda China. Ouvimos tantas histórias de que deveríamos cuidar com a segurança que isso nos chamou atenção. Em nenhum momento sentimos risco físico. O que sentimos, sim, em vários momentos, foi a impressão de que estavam querendo nos passar pra trás.
Pequim, por outro lado, tem muito mais cara de socialista. Grandiosas avenidas, cheias de prédios residenciais, sem tanta ostentação. Pouca presença internacional (pelo menos no centro), exceto pelos luxuosos hotéis construídos para as olimpíadas. Uma grande faxina urbana tem feito desaparecer muito dessa cara socialista. Muitos prédios e vilas são demolidos para darem espaço ao “progresso”. E as vilas que não foram relocadas a tempo, recebem agora um bonito muro que às esconde de quem passa pelas avenidas. Essa demonstração descarada de segregação seria criticada em qualquer parte, mas aqui é natural: se o governo decide, ninguém pode reclamar.
Mas muito do progresso que vemos na China é baseado na construção civíl. Construir é absurdamente barato na China, e se constrói muito mais do que se precisa. É interessante ver os containers nos canteiros de obras onde os obreiros moram. Muitos dos prédios novos estão subutilizados, ou com lojas e empresas que não “correspondem” a prédios daquela escala, outros estão simplesmente vazios mesmo. E esse “desenvolvimento”, por não ser acompanhado da educação das pessoas e sua melhoria de vida, fica parecendo muito falso. A China, curiosamente, segue à risca a idéia de “desenvolvimento” liberal: de que uma economia de mercado ativa trará riqueza que resultará numa melhor vida dos cidadãos. A economia de fato está ótima, mas o povo não vê resultado real dessa riqueza. Nas ruas, além de muita gente miserável, vimos pessoas humildes tirando fotos em frente de grandes hotéis e shopping centers, como que orgulhosas das “conquistas” de seu governo, e esperando o dia em que aquela riqueza também chegará a elas.
A China é um país que não faz sentido. Um país que gasta bilhões para construir um trem de levitação magnética para ligar o aeroporto ao centro de Shanghai, mas não provê educação e saúde gratuitas para seu povo. Um país que se diz socialista e que, após os protestos por liberdade de 1989, resolveu dar sim liberdade ao povo, mas apenas econômica, jogando na lixeira toda ideologia marxista e mantendo apenas a parte do estado totalitário. Um país em plena atividade econômica, mas em crise de valores, com povo pouco crítico e sem senso de comunidade. País de problemas sérios escondidos por uma população gigantesca e um governo com poder total sobre ela. País em transformação, diferente do que era a 5 anos, e diferente do que será nos próximo 5.
Podia escrever sobre o que visitamos na China e as coisas que observamos nas nossas andanças por lá. Sobre como a Muralha é longa, como o Palácio de Verão de Pequim é bonito, como o trânsito é caótico. Mas nos nossos passeios, as questões realmente importantes só ficavam voltando na minha cabeça, e devem ficar em qualquer um que visite a China. Tinha planos de voltar lá durante as olimpíadas, mas pela falta de infraestrutura desisti completamente da idéia. Há muita coisa bonita para se ver na China, mas depois de uma semana, lidar com sua população, trânsito, desatenção a detalhes, cansa. Durante os jogos, ou a China trará grandes dores de cabeças aos turistas que tentarem utilizar a infraestrutura local, ou fará um “mundo de faz de conta” para os turistas com data de expiração. Pois quando o assunto é fachada, a China é especialista.
Como não falei muito sobre a viagem em si, deixo vocês com o álbum completo de fotos (com legendas) e pra quem se interessou pelos assuntos tratados nesse post, recomendo assistirem o documentário online Frontline: The Tank Man.