terça-feira, outubro 10, 2006

Um dia de sorte

Quinta-feira passada completou 6 meses que cheguei no Japão. Fui almoçar em Shinjuku (新宿), o bairro comercial mais movimentado de Tokyo, porque a tarde havia combinado com a Elka, uma amiga, de comprar ingressos e passagens para um passeio que fizemos com um grupo nesse sábado. Chegamos no escritório onde vendem as passagens e, devido ao feriado que tivemos na segunda, estava difícil conseguir os pacotes para o dia e horário que queríamos. Mandamos mensagens para o resto do grupo para ver qual a opinião deles, e enquanto esperávamos resolvemos tomar um café ali perto.

Durante o café, perguntei à Elka, que fala japonês muito bem, se ela podia me ajudar numa loja perto dali onde tinha visto uma bicicleta que me interessou, mas precisava saber se eles faziam entrega em casa. Estou aqui a 6 meses, e por todo esse tempo fiquei sem bicicleta. O pessoal do meu dormitório já estava até brincando comigo, já que eu era o único que não tinha. O que acontece é que quando vou comprar algo, fico muito tempo decidindo, escolhendo, vendo se é realmente o que quero, e só então compro.

Bicicletas no Japão são essenciais, parte da vida, e existem modelos variando de 50 a 1500 dólares. Não queria a bicicleta mais barata, elas não são ruins, mas são bem simplesinhas. Não queria a bicicleta mais cara, difícil justificar um gasto tão grande em uma bicicleta a menos que isso fosse um hobby, coisa que pra mim (ainda) não é. Queria algo intermediário, com preço legal e que fosse bonita. E fiquei cerca de 6 meses procurando essa bicicleta.

Semana passada tinha visto a bicicleta, em uma loja de departamentos que seguido visito, a Bic Camera. Era uma mountain bike que custava cerca de 235 dólares, preço razoável, design bacana. Estava quase decidido, depois de tanto tempo. Fomos à loja perguntar da entrega, mas não planejava comprar no momento. O vendedor disse à Elka que eles entregavam, sim, mas que tinha um custo, cerca de 8 dólares. Nessa hora, vi também que havia uma nova cor do mesmo modelo, um preto fosco que achei ainda mais bonito que o prateado que havia visto antes. Fiquei bem tentado a comprar, mas já havia esperado tanto tempo e realmente não queria comprar por impulso. Também, havia visto uma outra bicicleta em outra loja, não tão bonita e um pouco mais cara, mas de alumínio. Quanta indecisão...

O Issamu, outro amigo, escreveu para a Elka e disse que vinha nos encontrar. Ele é um cara de quem gosto de ouvir opiniões, então resolvi esperar ele chegar para perguntar o que ele pensava. Uns 20 minutos depois ele chega e trocamos umas idéias sobre a bicicleta. Ele também acha ela bonita, um preço bom, e eu me decido, finalmente, a comprar. Vamos ao caixa, preencho o registro anti-furto1 e o vendedor me diz o total. Entrego o dinheiro, o vendedor registra no caixa, olha a tela, e diz “ee, sugooi!” (algo como “uau!”) e começa a tocar um sino! Ele olha para a Elka com uma cara de “me ajuda, por favor!”.

A Bic Camera está com uma promoção que a cada 100 clientes, um não paga. E eu fui um centésimo cliente! O vendedor devolveu meu dinheiro, e eu ganhei a bicicleta de graça. Fiquei ainda na ansiedade porque ela só seria entregue no domingo, mas como planejado ela chegou esse fim de semana.

Pode não ser a melhor ou mais bonita bicicleta, mas de graça, foi um ótimo negócio. Agora não preciso mais caminhar os 3,2 km diários para ir e voltar da estação de trem. Meus vizinhos não brincam mais comigo por eu ter demorado tanto pra comprar a bicicleta, e se eu já gostava muito de passear pela Bic Camera, agora, então, tenho ainda mais motivos pra gostar dessa loja.

1 O registro anti-furto é um serviço onde colocam um número na bicicleta, e a polícia pode dar batidas eventuais e verificar se esse número está registrado em nome da pessoa que está conduzindo.

sexta-feira, outubro 06, 2006

Pra quem eu (não) votei pra presidente

Eleição no Brasil é sempre aquela coisa curiosa. Pela obrigatoriedade, fica a dúvida se é um direito ou um dever do cidadão. A resposta é sempre que é os dois, tanto direito como dever de todo brasileiro.

Então é de se supor que uma pessoa com todas as condições legais de votar, que entre com o pedido de transferência de domicílio eleitoral dentro dos prazos estabelecidos, possa exercer o direito e votar, correto?

Errado, ou como se diz aqui chotto chigau... (“não é bem assim”) Eu, estando no Japão, teria o direito de transferir meu título para cá, o que me permitiria votar para presidente domingo passado, desde que entrasse com o pedido no consulado até 3 de maio, limite estabelecido para se fazer essa solicitação. Cheguei em abril e portanto tive ainda certa folga. Fiz a solicitação antes da data limite, no dia 28 de abril de 2006.

Mas por que votar? Convenhamos, essas eleições não estavam nada empolgantes. Nenhum candidato me despertava confiança plena, dando vontade de receber meu voto. Mesmo assim, pelo que vem acontecendo no país (o que a gente sempre acompanha, mesmo à distância), com certeza havia alguns nomes a quem eu não gostaria de entregar meu voto. E não votar em certas pessoas (podendo votar em outras) também é uma forma de comunicação. Deveria passar uma mensagem.

Só que a mensagem não pode ser passada. Meu direito foi negado, pois meu título não foi transferido a tempo para as eleições e conseqüentemente não pude votar. Recebi do consulado a seguinte mensagem, alguns dias antes do pleito:

O Consulado-Geral do Brasil informa que o seu pedido de cadastramento eleitoral esta entre os que nao foram processados a tempo para votacao nas proximas eleicoes. Transcrevo abaixo trechos de oficio do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal a respeito:

"Em virtude de problemas enfrentados no fechamento do cadastro de eleitores residentes no exterior, que solicitaram alistamento ou transferencia, (...) alguns cidadaos brasileiros estarao impossibilitados de votar nos termos por eles requeridos.

Portanto, aqueles cidadaos que solicitaram alistamento eleitoral e nao constam do cadastro de eleitores nao poderao votar nas eleicoes presidenciais que se avizinham. Ja os eleitores que requereram transferencia de domicilio eleitoral deverao justificar a ausencia de voto junto a reparticao consular do local em que se encontrem, em vista de ainda constarem em seus cadastros o domicilio anterior.

Importante frisar que os cidadaos que nao poderao votar terao sua situacao eleitoral imediatamente regularizada quando da reabertura do cadastro de eleitores, que ocorrera apos a finalizacao das Eleicoes 2006."

Ou seja, não só não pude votar, como ainda tive que ir ao consulado justificar minha ausência, como se não fosse óbvio que quem tem um pedido aberto de transferência que não foi efetivado não votou por causa disso. E chovia! Se eu pudesse ter votado, ia com gosto mesmo assim. Pior, ainda tive que fazer uma solicitação de cancelamento do processo de transferência, pois a efetivação seria feita automaticamente para a próxima eleição (que só terei que votar daqui a 4 anos, pra presidente, quando já devo estar de volta ao Brasil). E não sou um caso isolado. O mesmo parece ter acontecido com todos bolsistas daqui que tentaram transferir o domicílio eleitoral pra essas eleições.

Aí começamos a divagar... Primeiro, a gente só ve o valor real das coisas quando elas nos são tiradas. O voto no Brasil não é um direito, é apenas um dever. Se o estado resolve que você não pode votar, é isso, não tem discussão. Segundo, a gente começa a se questionar sobre a validade do processo todo.

Existem cerca de 100 mil brasileiros vivendo legalmente no Japão. Nós, bolsistas, somos uma minoria, sendo a maior parte dessa população de descendentes (nikkeis), que vem em busca de trabalho para uma vida melhor. Não entrando no mérito se essas pessoas são ou não “politizadas” (até porque esse termo não quer dizer muito), é de qualquer forma surpreendente que o número de eleitores brasileiros registrados no Japão seja de apenas 558 pessoas (dado oficial do TSE de junho de 2006).

Curiosamente, Geraldo Alckmin venceu Lula fora do país. Na verdade não é de se surpreender, já que muitos que vivem no exterior são “expatriados”, que tentam uma vida melhor “além mar” por estarem insatisfeitos com a situação local.